FRATERNIDADE PADRE JOSIMO
Assentamento Conquista da Fronteira – Hulha Negra
VIDA RELIGIOSA E EVANGELIZAÇÃO INSERIDA
1 – Tentativas da Fraternidade Padre Josimo
Este texto/relatório tem o objetivo de compartilhar com os confrades um pouco da experiência e das tentativas da Fraternidade Padre Josimo, inserida no meio rural, quanto à vivência da vida religiosa franciscana/capuchinha/sclabriniana e da evangelização junto às famílias camponesas pobres, suas comunidades e seus movimentos sociais.
2 – Inserção, Itinerância e Solidariedade
A Fraternidade Padre Josimo procura ser uma comunidade religiosa franciscana/scalabriniana inserida e itinerante nos meios pobres, missionária, em processo de evangelização, ligada aos movimentos sociais camponeses que lutam pela Reforma Agrária e pela permanência dos camponeses no campo, contribuindo para melhorar sua condição de vida, procurando viver no meio deles. Por isto a decisão de viver num assentamento e conviver no dia a dia junto com os assentados, acampados, pequenos agricultores e camponeses em geral, seus movimentos sociais e suas lutas. Busca fazer da solidariedade com suas vidas e suas lutas um pequeno e singelo testemunho de presença da Igreja de Jesus e dos Carismas de Vida Religiosa junto aos pobres do campo.
3 – Presença Capuchinha, Scalabriniana e Franciscana na Diocese de Bagé e na Fraternidade Padre Josimo
No ano de 1943 os frades Capuchinhos chegaram à cidade de Bagé, onde se encontram até hoje atuando na pastoral paroquial, pastoral da saúde e projetos sociais.
Em 1983 a Província Scalabriniana São Pedro assumiu a Paróquia Sagrado Coração de Jesus em Candiota, devido a grande presença de migrantes em projetos de geração energia a base de carvão.
No dia 04 de março de 1990, após contatos e estudos junto com a Diocese de Bagé e com a organização dos agricultores assentados, chegaram em Hulha Negra, então distrito de Bagé, os freis Antônio Mariani e João Renato Puhl, iniciando a presença da Província São Francisco de Assis (OFM) nas desafiadoras terras fronteiriças.
A Província assumiu a Paróquia São José de Hulha Negra e os frades se depararam com uma realidade diversa das encontradas em outros locais de presença no Rio Grande do Sul.
Na Paróquia, já há anos sem padre, uma comunidade de Religiosas atendia o povo. Com a chegada dos frades, deram por cumprida sua missão e foram para outras paragens.
Em março de 2002 o Frei Capuchinho Wilson Zanatta chegou a Hulha Negra para iniciar trabalho social e pastoral com as famílias assentadas e com o Movimento Sem Terra, iniciando as articulações para a vinda da Fraternidade Padre Josimo, que se instalou no Assentamento Conquista da Fronteira em Hulha Negra em março do ano de 2006.
4 – Flashes da Realidade Sócio-Econômico-Política
– Emancipações Políticas – Hulha Negra e Candiota emanciparam de Bagé em 1992 e Aceguá em 1996;
– Campanha – grandes fazendas de gado, algumas com alto grau de modernização, outras no velho sistema antigo do “extrativismo bovino”;
– Povo tradicional da fronteira, com seus costumes típicos da história da região;
– Cultura de Fronteira – proximidade com o Uruguai, história de disputa de território, presença militar ainda significativa na região (quartéis);
– Colônias alemãs, constituídas após a primeira e segunda guerra mundial, com agricultura familiar forte (leite, trigo, ovelhas, milho, subsistência);
– Plantio de arroz – as várzeas tomadas pelo plantio de arroz irrigado, através de arrendamento em grandes propriedades, realizado por famílias vindas de outras regiões do RS ( maioria da região central do estado);
– Frigoríficos – novo impulso com as exportações de carne, gerando muitos empregos em Hulha Negra;
– Mineração e Geração Termoelétrica a carvão – realidade forte em Candiota, com extração de carvão, produção de cimento e grandes usinas termoelétricas, com investimentos em expansão, muitos empregos gerados na construção das usinas (poucos quando em operação), muitos migrantes (construção da fase C da CGTEE envolveu 4.500 trabalhadores) e há mais três termoelétricas projetadas para os próximos 10 anos;
– Novos assentamentos constituídos após fortes conflitos de terra (Santa Elmira e Praça da Matriz, por exemplo) no norte do Estado e na Capital em 1989 e 1990, chegando à região sem as devidas condições de instalação, com pessoas e culturas típicas dos pequenos agricultores do norte do RS;
– Ampliação da Reforma Agrária – expansão dos assentamentos, somando hoje 53 nos municípios de Candiota, Hulha Negra e Aceguá, com 47 comunidades constituídas ou em constituição, mais de 2.000 famílias, muitos jovens.
-Avanço das monoculturas de eucalipto e acácia no início do século XXI. Esta expansão estagnou com a crise econômica mundial de 2009.
– A partir de 2012 há grande avanço do monocultivo da soja na região, ocupando espaço da pecuária tradicional e até de várzeas antes cultivadas com arroz.
– Assentamentos de Reforma Agrária – recuperação e regeneração de áreas degradadas, plantio de árvores nativas em assentamentos e áreas de preservação, promoção da agrobiodiversidade e da biodiversidade, produção de sementes e mudas de variedade crioulas, produção de sementes agroecológicas, recuperação de fontes e nascentes, ampla sabedoria em cultivo e uso de plantas medicinais, pecuária familiar (gado e ovelha) e produção de leite com pastagens naturais, formatos sustentáveis, alta diversificação produtiva na agricultura camponesa e promoção da economia solidária.
5 – Flashes da Realidade Pastoral
Paróquia de Hulha Negra, São José – 08 comunidades, duas em assentamentos. Três realidades distintas: cidade, colônias e assentamentos.
Paróquia de Candiota – 11 comunidades, sendo 03 em assentamentos. Cidade com grande população migrante por conta dos investimentos federais (trabalhadores na construção das usinas). Êxodo rural, população instável, trabalhadores na indústria cimenteira, na mineração e na usina termoelétrica. Há presença de cidadãos chineses por conta de parceria na construção e operação da fase C da usina termoelétrica e da Usina Pampa Sul.
Rede de Comunidades Santo Isidoro – Atendida pela Fraternidade Padre Josimo, composta por um Padre Carlista, um frade capuchinho e um frade ofm. – 42 comunidades de assentamentos, maioria em processo de reconstituição, grande diversidade cultural e religiosa, reconstrução da vida social e econômica, muita presença jovem ( mais de 1.400 jovens nas escolas dos assentamentos).
No conjunto das três realidades, em termos pastorais, para a maioria, é situação de “primeiro anúncio”, situação tipicamente missionária.
6 – Flashes da Realidade Diocesana
– Carência de clero e vocações;
– Dificuldades financeiras, povo e comunidades muito pobres;
– Nas outras regiões da diocese, população concentrada em cidades e latifúndio tomando contas das áreas rurais;
– Forte presença militar por ser região de fronteira e durante muitos anos o soldo militar e os investimentos nos quartéis sustentou a economia da região;
– Pouca presença de congregações religiosas masculinas;
– Clero insuficiente para as necessidades da diocese.
7 – Sinais de Esperança no Bioma Pampa
Constatamos no Pampa, e delas participamos de variadas formas, importantes ações de desenvolvimento sustentável e resistência popular indicadoras de um processo de luta de longo prazo para preservar o Pampa em suas características originais em convivência harmoniosa entre ser humano e natureza, tais como: vigoroso movimento de Economia Solidária ( liderado em grande parte pela Diocese de Santa Maria, mas presente em toda a região), assentamentos de Reforma Agrária, recuperação e regeneração de áreas degradadas, plantio de árvores nativas em assentamentos e áreas de preservação, promoção da agrobiodiversidade e da biodiversidade, produção de carne de qualidade em harmonia com a vegetação natural com a pecuária familiar no Alto Camaquã, produção de sementes e mudas de variedade crioulas, produção de sementes agroecológicas, recuperação de fontes e nascentes, pesquisas voltadas a agricultura ecológica e sustentável através da Estação Científica da Embrapa Clima Temperado, ampla sabedoria em cultivo e uso de plantas medicinais, pecuária familiar (gado e ovelha) e produção de leite com pastagens naturais e formatos sustentáveis, alta diversificação produtiva na agricultura camponesa. Existem vários quilombos preservando e resgatando valores culturais e produtivos, resgatando identidade e se afirmando no cenário político local.
Constata-se crescente organização social e desenvolvimento da cidadania e das lutas sociais tanto no campo como nas cidades, com Movimentos Sociais (MST, MPA, Quilombolas) e Sindicalismo Urbano (metalúrgicos, mineiros, eletricitários, comerciários, saúde, professores…) com sinais de avanço e fortalecimento.
Destaca-se a presença de uma Igreja com forte caráter laico, pobre e próxima dos pobres, com destaque para as CEBs, muito identificada com o ambiente cultural, ecológico e histórico da região. Neste sentido não é pequena a presença da memória histórica da experiência de sociedade igualitária dos guaranis com os jesuítas e o Símbolo condensador desta memória, o Mártir São Sepé Tiaraju.
8 – Nossa Presença
Instalação da Fraternidade Padre Josimo, inserida no Assentamento Conquista da Fronteira, desde 2006, com a participação da Província Carlista, atendendo os assentamentos e participando da CPT e Movimentos Sociais.
9 – Sentidos de Nossa Presença
– Presença na região sul do Estado junto com Rio Grande;
– Situação tipicamente missionária;
– Necessidade da presença da Vida Religiosa;
– Realidade de pobreza, nossa presença é manifestação de solidariedade;
– Necessidade de organização inicial das comunidades eclesiais;
– Solidariedade com a luta do povo e com os migrantes;
– Necessidade de uma evangelização de base – primeiro anúncio;
– Realidades desafiadoras da Reforma Agrária, conflitos, migrantes, mineração, energia carbonífera, culturas diferentes, ecumenismo e pluralidade religiosa.
10 – Nossas características e princípios de vida
Procurar realizar um trabalho libertador, com base no Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por essência, nossa atividade e nossa maneira de ser, tenta ser desafiadora e profética. É um desafio constante, procurar manter a fidelidade às orientações da Igreja e ao carisma scalabriniano/franciscano.
- Trabalhar em defesa da dignidade da pessoa humana, a imagem e semelhança de Deus, em vista de um mundo mais justo e humano;
- Ser uma presença eclesial junto aos pobres.
- Manter a oração, a espiritualidade engajada e libertadora, como base da Vida Religiosa e da missão evangelizadora junto ao povo;
- Apoiar a organização popular em suas diferentes formas;
- Inserção; morar, viver e conviver na simplicidade junto a realidade, acompanhando as famílias e suas comunidades;
- Itinerância, presença em várias realidades, não só local e deslocamento da Fraternidade de tempos em tempos;
- Os membros da fraternidade, com atuação ampla – Comissão Pastoral da Terra e Movimentos do Campo no Estado e no País;
- Assumir a realidade dos assentamentos e acampamentos, com espírito de missionaridade, numa realidade que exige presença específica e missionária;
- Acompanhar e fomentar a organização das comunidades de fé, em comunhão com a Igreja particular;
- Acompanhar e incentivar a preservação e a multiplicação das sementes crioulas e nativas, preservação da ecologia e da biodiversidade e estimular a prática da medicina fitoterápica e natural.
11 – Desafios para os próximos anos
- Melhorar e ampliar a organização das comunidades de fé, com vivência e convivência comunitária, nos assentamentos, como um meio importante para a unidade social, reconstituição do tecido social e valorização das pessoas.
- Atuar nas escolas e com a juventude, tendo como enfoque principal a ecologia e o amor à natureza e a biodiversidade.
- Ampliar a formação de lideranças para as equipes pastorais e colocar em prática o Plano de Pastoral da Rede de Comunidades – Conselhos Comunitários, Catequese, Liturgia, Sacramentos, Formação Bíblica.
- Fortalecer a luta pela Reforma Agrária na região sul, onde há a maior concentração de terra no estado do Rio Grande do Sul.
- Ampliar o trabalho com sementes crioulas através de Casas Comunitárias de Sementes Crioulas e Hortos Medicinais e assim contribuir na união e na organização dos assentados em toda a região com produção diversificada.
- Ampliar a atuação da Pastoral Socioambiental, as Feiras da Biodiversidade, agroflorestas, energias renováveis e produção camponesa diversificada.
- Contribuir na viabilidade econômica, social e ambiental e organizativa dos assentamentos da região.
- Marcar presença na Comissão Pastoral da Terra e nos Movimentos Sociais do Campo no Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil.
12 – Marcar presença e atuar, de modo especial:
- Nos assentamentos dos três municípios que integram o projeto pastoral com os quais a comunidade se compromete;
- Na organização das comunidades de fé, na saúde alternativa, na produção e distribuição de sementes crioulas, na implantação de agroflorestas, na diversificação da produção e na organização social e econômica dos assentados;
- Na formação de lideranças das comunidades;
- Na atuação juntos aos jovens, com destaque especial à formação ecológica;
- Nas escolas dos assentamentos e nas rádios comunitárias.
- Junto aos Movimentos Camponeses, Pastoral da Terra e Indígenas.
- Junto à juventude rural, muitas vezes sem rumo, esperança e perspectivas;