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“Talita Kum, Levanta-te! Vai mais além”: Cimi realiza 26ª Assembleia Geral em Brasília

Entre os dias 21 e 24 de setembro, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) realizou sua XXVI Assembleia Geral, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO). Com o tema “Talita Kum – Levanta-te! Vai mais além…”, o encontro reuniu 95 delegados e mais de 60 convidados, entre indígenas, missionários, juristas, advogados e religiosos comprometidos com a causa indígena.

 

Publicação original da Diocese de Juína e Renan Dantas, disponível em: https://www.diocesejuina.com.br/

Fotos: Diocee de Juína e Hellen Loures / CIMI

 

A Assembleia, realizada a cada dois anos, é o espaço máximo de deliberação do Cimi, onde se avaliam os desafios da conjuntura nacional e internacional, se retomam as raízes da caminhada missionária e se definem as prioridades de atuação para os próximos dois anos.

 

Memória da caminhada

 

 

O primeiro dia foi dedicado à memória da 1ª Assembleia do CIMI, realizada em 1975. Naquela época, missionários, religiosos, religiosoas e lideranças indígenas ousaram sonhar juntos com uma pastoral específica, capaz de responder ao grito dos povos originários diante da violência e da perda de seus territórios.

O resgate desse marco histórico foi feito de forma simbólica em um momento de mística, com cantos, maracás e a participação de indígenas que conduziram a celebração. O gesto recordou que a missão do CIMI sempre foi caminhar junto, aprendendo com a espiritualidade e a resistência dos povos.

“Assim como o maracá que ecoa e nunca se cala, a missão do CIMI permanece firme, apesar dos desafios”, lembrou uma das lideranças presentes.

 

Abertura oficial

Após a apresentação dos regionais, Dom Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus e primeiro cardeal da Amazônia, nomeado pelo Papa Francisco em 2022, declarou aberta a Assembleia. Em sua fala, Dom Leonardo destacou a complexidade do momento político que o país atravessa, mas reforçou a necessidade de manter a esperança viva:

“Vivemos um momento político muito difícil, mas não deixamos de perder a esperança”, afirmou o presidente do Cimi, convocando todos os participantes a renovar o compromisso com a missão da entidade.

Dom Leonardo lembrou que o Cimi deve permanecer como aprendiz dos povos indígenas, reafirmando seu compromisso com a defesa incondicional da vida e dos direitos desses povos, na busca de uma Terra Sem Males. Segundo ele, os desafios enfrentados pelo Cimi estão diretamente ligados às aflições das comunidades indígenas e têm gerado inquietações internas, mas também renovam o sentido da missão que a entidade exerce há 53 anos.

“Da mesma forma que, diante do som da motosserra, os passarinhos cantam, nós, missionários e missionárias do Cimi, seguiremos cantando diante dos desafios da atual conjuntura”, acrescentou Dom Leonardo, em uma metáfora que traduziu a força da resistência indígena e da missão evangelizadora do Conselho.

A Assembleia reuniu também os bispos referenciais do Cimi em seus regionais da CNBB, Dom Philip Eduard Roger Dickmans, de Miracema (TO), e Dom Neri José Tondello, de Juína (MT). Ambos reforçaram a importância da caminhada junto aos povos indígenas, destacando a missão profética da Igreja na defesa dos direitos originários. Durante suas falas, enfatizaram o papel do diálogo contínuo entre missionários, lideranças e comunidades, como forma de fortalecer a proteção da vida, da cultura e dos territórios indígenas.

Tema: “Talita Kum – levanta-te! Vai mais além…”

O tema da Assembleia foi aprofundado pelo teólogo Pe. Paulo Suess, um dos grandes referenciais da caminhada indigenista. Ele refletiu sobre a expressão bíblica “Talita Kum”, dirigida por Jesus à menina doente, como um convite permanente à esperança.

“Levantar-se é não se deixar paralisar diante das forças de morte. É confiar que, com os povos indígenas, podemos sempre ir mais além”, destacou.

A reflexão foi enriquecida pela arte do missionário Artur, do Regional N2, que apresentou um painel com símbolos da resistência indígena, lembrando que a missão também se expressa pela beleza e pela criatividade.

 

Apoio da vida religiosa e da Igreja

Um dos momentos significativos foi a saudação feita pelas superioras de Congregações Religiosas presentes e pela presidência da CRB Nacional. Em suas falas, ressaltaram a fidelidade da vida religiosa ao compromisso de defesa da dignidade dos povos originários.

Também foi lida a Carta da Presidência da CNBB, que destacou o serviço prestado pelo CIMI ao longo de mais de cinco décadas. A CNBB reconheceu o papel profético do Conselho diante das ameaças históricas e atuais, reafirmando o compromisso da Igreja com os povos indígenas e a defesa incondicional de seus direitos originários.

 

Relatório da presidência

Encerrando o primeiro dia, foi apresentado o Relatório da Presidência do CIMI, trazendo um balanço das atividades, encontros, processos pastorais e incidências realizadas nos últimos dois anos. O documento destacou os desafios da conjuntura nacional, marcada pela pressão do agronegócio, da mineração e de grandes projetos sobre as terras indígenas.

Apesar das dificuldades, o relatório ressaltou a esperança que anima a missão, simbolizada pela imagem da “Menina Esperança”:

“Ela caminha sempre à frente, nunca engana, e sustenta o compromisso e o amor que nos movem”, recordou a presidência.

O caminho continua

Com a aprovação do documento final, o Cimi reafirma seu compromisso de caminhar lado a lado com os povos indígenas, defendendo seus direitos, territórios e culturas. Entre as prioridades para os próximos dois anos estão:

 

  • Terra, território e direito à água, com ênfase na demarcação, usufruto exclusivo e produção de alimentos saudáveis;
  • Afirmação da Constituição Federal, reconhecendo a terra e a natureza como sujeitos de direitos;
  • Povos indígenas em contexto urbano, suas lutas por terra e políticas públicas diferenciadas;
  • Fortalecimento das organizações de base, ampliação da autonomia dos povos indígenas e maior articulação política e institucional.

 

Com essa abertura, o CIMI deu início a quatro dias de reflexões, análises e decisões que definirão as prioridades da missão indigenista para os próximos dois anos. Mais do que um momento de avaliação, a Assembleia reafirma que a caminhada continua viva, guiada pelo convite do Evangelho: “levanta-te e vai mais além”.

“Vivemos um momento político muito difícil, mas não perdemos a esperança”, declarou o presidente do CIMI, cardeal Leonardo Steiner.

A XXVI Assembleia Geral demonstra que, mesmo diante de desafios políticos, sociais e ambientais, a esperança e a fé permanecem firmes, impulsionando missionários, povos indígenas e comunidades a erguer-se e avançar. A caminhada segue marcada pela coragem, resistência e amor à vida, inspirando novas gerações a construir um futuro mais justo e solidário para todos os povos originários do Brasil.

Segue, na íntegra, a carta final da 26ª Assembleia Geral do CIMI.


 

Documento Final da XXVI Assembleia Geral do Cimi

Levanta-te e vai mais além (cf. Lc 17.11-19)

Missionárias e missionários, leigas e leigos, religiosas e religiosos, com a presença de lideranças indígenas de várias regiões do Brasil, reuniram-se de 21 a 24 de setembro de 2025, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), para a XXVI Assembleia Geral do Cimi.

“Levanta-te e vai mais além” foi o tema que norteou os discernimentos da realidade sociopolítica deste momento e acompanhou a definição das seguintes prioridades para os próximos dois anos:

Terra, território e direito a água, com ênfase na demarcação, usufruto exclusivo e produção de alimentos saudáveis; afirmar a Constituição Federal, compreendendo a terra e a natureza como sujeitos de direitos; e os Povos Indígenas em contexto urbano, suas lutas por terra e políticas públicas diferenciadas.

O Cimi também acolheu, na integralidade, as propostas apresentadas pelas lideranças indígenas presentes na assembleia, dentre as quais destacamos: a necessidade de investir esforços no fortalecimento das organizações de base, da autonomia dos povos indígenas e de uma maior articulação política e institucional.

O Cimi, nesse ambiente de reflexão e análise, não deixou de acompanhar – com preocupação – as ações violentas praticadas (durante o andamento da Assembleia) contra as comunidades Guarani e Kaiowá de Guyraroka, Porto Cambira e Avaeté 2, no Mato Grosso do Sul, que sofreram ataques brutos e ilegais das forças de segurança do estado, quando estavam buscando o direito à vida, ao futuro e a dignidade através da retomada de seus territórios tradicionais.

O tema escolhido para a XXVI Assembleia Geral, no ano do Jubileu da Esperança, se inspirou em Lc 17.11-19, sobretudo no encontro e na cura de Jesus aos dez leprosos. Um deles voltou para agradecer e louvar a Deus. E Jesus lhe disse: “Não fui eu. Foi a tua fé que te salvou. Levanta-te e vai além!”.

E nós, do Cimi, procuramos mais uma vez nos levantar, pedir perdão aos povos indígenas, agradecer a Deus e animar-nos com a promessa de ir mais longe e além dos seus 53 anos desde a sua criação, que nesta Assembleia comemoramos.

Durante as análises feitas, verificamos, mais uma vez, que os povos indígenas no Brasil, apesar de seu forte e expressivo protagonismo e marcante presença nos espaços de poder público – especialmente no Executivo, responsável pelas políticas voltadas às comunidades –, ainda são tratados como obstáculos ao desenvolvimento econômico. Este modelo, de caráter exploratório e radicado na extração desmedida dos recursos da Mãe Terra, avança dia após dia, sufocando-a com a devastação que impõe.

A Mãe Terra chora e clama por seus filhos e filhas ante a ofensiva do desmatamento, das queimadas, do garimpo e da mineração predatória. Os ambiciosos não cessam um só segundo suas agressões; contaminam e dilaceram o meio ambiente, as águas e toda a biodiversidade.

Nesse contexto, as vidas pouco valem diante da ganância por uma lucratividade fácil e farta. Não há medidas, leis ou mecanismos de contenção capazes de frear os interesses do capital quando estes se apresentam com seus tentáculos, sobrepondo-se a tudo e a todos.

Teses, leis e proposições legislativas são criadas para restringir direitos, fragilizar as lutas e impor, da forma mais contumaz, limitações à capacidade da Constituição Federal de demarcar, proteger e garantir os territórios tradicionais.

A Lei 14.701/2023, conhecida como “Lei do Marco Temporal”, foi criada para interromper a política indigenista em um momento de esperança. Ela paralisou as demarcações, estimulou a violência e as perseguições e acelerou as invasões de territórios. Trata-se de um instrumento a favor do arbítrio, cuja tese central já foi considerada inconstitucional pelo STF, mas que segue em vigor, submetendo vidas a um poder insensato e causando dor e sofrimento aos povos originários em todas as regiões do Brasil.

É imperativo e urgente que o STF retome, imediatamente, o julgamento do Recurso Extraordinário de Repercussão Geral 1.017.365 – tema 1031 – para declarar a inconstitucionalidade da Lei 14701/2023.

Às vésperas da COP30, observa-se, com grande preocupação, que os algozes, detentores do capital político e econômico, são os próprios fiadores desse espaço internacional de reflexão sobre o clima. Na prática, pretendem transformar a natureza em um grande canteiro de obras, especialmente vinculado à mineração de terras raras e à extração de petróleo e gás, com destaque para a foz do Rio Amazonas.

A força do mercado, gerada pelas grandes corporações transnacionais exploratórias, impõem-se de forma cruel, subjugando o povo, a natureza e a soberania de nossa Casa Comum e, sob a lógica da exploração, promovem a financeirização da natureza. Elas arrastam governos, iludem consciências e promovem, de um lado, a cooptação e, de outro, o extermínio. Não há ética, solidariedade, piedade ou remorso, pois, para elas, os bens da Terra devem servir à economia e à riqueza de minorias que se julgam donas do mundo.

Mas há resistência. A passividade não comunga com a luta; esta não se amedronta, é teimosa, rebelde e radical na defesa da vida, dos direitos e da Mãe Terra, nossa Casa Comum.

Levanta-te e vai mais além, como peregrinas e peregrinos. Não vivemos tempos de conforto, mas de desmontar nossas tendas, desfazer nossa razão e segurança e desconstruir nosso sonho de um mundo perfeito. Muitas vezes, nosso desconforto é uma mensagem de Deus para que nos levantemos.

Levanta-te e vai mais além, porque, como nos dizia Dom Pedro Casaldáliga: “quanto mais difíceis os tempos, maior deve ser nossa esperança”. Sigamos como aprendizes, como iniciantes no amor, na esperança e na rebeldia, peregrinando pelos caminhos das causas que nos mobilizam.

Levanta-te e vai mais além, ao encontro de um futuro com os povos indígenas. Um futuro que muitas vezes consideramos incerto, mas que é o destino desta exigência de um amor radical por eles, que caminham ao nosso lado.

Levanta-te para prepararmos o desmonte de nossas tendas. A vida nos induz a ir além, porque não é perfeita, mas sim marcada por inquietações. Porém, levantar-se é o recomeço necessário para que, junto aos povos indígenas, entendamos que o que a vida quer de nós é coragem.

Não é só a crença que salvou o leproso. Foi a fé em movimento, foi a tua esperança peregrina que produziu gratidão e paciência. Foi a fé que transformou a vida em glória a Deus. Glória a Deus são os povos indígenas em luta pela vida e nós, incondicionalmente ao seu lado, não como assentados, mas como peregrinas e peregrinos de esperança.

Diga ao Povo que avance!

Avançaremos!

Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia (GO), 24 de setembro de 2025

XXVI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário – Cimi

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