Caravana do RS levou a causa de Sepé e a bandeira Missioneira até o Intereclesial de CEBs, em Rondonópolis (MT)
Texto: Marcos Corbari / Edição Katia Marko
Para os leitores do Brasil de Fato a causa da beatificação de Sepé Tirajú – que já é considerado Santo pelo povo, mas ainda não pela Igreja – não é novidade. Nossa redação tem acompanhado os esforços da comissão que está empenhada junto ao processo canônico para que o líder indígena e mártir das Guerras Guaraníticas receba autorização da Igreja para ter lugar no panteão dos Santos e Santas católicos. O processo é longo e cada ação realizada representa um passo na direção do objetivo. No momento Joseph Tyarayu já tem o reconhecimento de “Servo de Deus”, o que o qualifica à causa proposta pelos postuladores. O próximo passo é a beatificação e finalmente a canonização.
Durante o Encontro Intereclesial de CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) realizado na última semana em Rondonópolis (MT), a causa de Sepé Tiarajú foi representada pela caravana do RS e sua figura conduzida ao lado da bandeira Missioneira entre os caminhantes que percorreram as ruas da cidade na Romaria dos Mártires da Caminhada. Sepé foi citado ao lado de figuras como Chico Mendes, irmã Doroti, Padre Josimo, Margarida Alves e tantos outros que tiveram o sangue derramado em nome das lutas do povo.
Nilza Macedo, secretária executiva da Cáritas de Bagé (RS), explicou que a Romaria acontece para celebrar a vida, a luta e a resistência dos Mártires da Caminhada. “É um momento sempre muito importante, momento de fortalecimento da nossa missão, de profetismo que devemos desenvolver agora”.
Para a agente da Ação Social diocesana, a caminhada pelas ruas de Rondonópolis “foi uma grande benção, foi partilha, sintonia, momento muito forte de oração”. A presença de Sepé Tiarajú, explicou, foi anunciada logo na primeira parada da Romaria, momento em que foi refletida a causa dos povos originários, dos tantos mártires que tombaram ao longo da história massacrados pelas mãos armadas do imperialismo, quanto dos mártires deste tempo que tem se mostrado tão difícil para os povos originários. “Sepé Tiarajú presente na caminhada indica essa nossa responsabilidade na defesa dos povos indígenas, no respeito à sua cultura e aos seus direitos”, afirmou.
“As Missões, as Reduções – onde Sepé e o povo Guarani conviveram e formaram um modelo de sociedade que mais se aproximou da utopia da Terra Sem Males – são uma experiência comunitária, representam no seu período as grandes comunidades”, conta o padre Alex Klopemburg, de Santana do Livramento (RS), ao explicar porque Sepé é acolhido pelas Comunidades Eclesiais de Base como um de seus padroeiros.
“Nós fizemos questão de também trazer a bandeira Missioneira e o estandarte com a imagem desenhada de Sepé, que desde as primeiras Romarias da Terra acompanham as nossas caminhadas”, contou padre Alex. “Para nós é muito importante e certamente fortalece a caminhada do povo, anima a caminhada e também vai divulgando a causa de Sepé e vai tornando ainda mais conhecido, cada vez mais Sepé vai se tornando o Santo das causas populares, o Santo protetor das nossas CEBs”, finalizou.
Para compreender Sepé, é preciso compreender a espiritualidade Guarani
Andrei Thomaz Oss-Emer, jovem que integra a Articulação Brasileira para a Economia de Francisco e Clara e dedica-se a pesquisar a história e a espiritualidade a partir da ótica indígena dos Guarani, explicou que as pessoas que levaram Sepé até o Intereclesial de CEBs e, de modo particular até a Romaria dos Mártires da Caminhada, o fizeram como “povo realmado, tocado e inspirado pela causa dos Sete Povos*, pela alma que moveu a sociedade missioneira em reconhecer o Dom da Vida, a vivência evangélica e guarani, a profecia de uma sociedade justa, onde ninguém passava necessidade”.
Para Andrei, “Sepé é Santo porque uma sociedade Santa criou a Santidade de Sepé”. Explicando o termo guarani “Aguyjevete”, apontou que “o teu ser cumpra a bem aventurança para o qual um dia Ñanderu – a divindade maior da mitologia Guarani – criou o teu coração”. Esclareceu ainda que para compreender Sepé é preciso compreender a espiritualidade do seu povo, a qual ensina que um coração puro e bondoso é a vocação humana: “Essa é a santidade a qual São Sepé nos inspira, é a espiritualidade que move o caminhar junto à Terra Sem Males”, completou.
Para a caravana do RS, que levou até Rondonópolis os ícones e a causa de Sepé e dos mártires guaranis que foram dizimados nas Guerras Guraníticas, “defender a causa de Sepé é reconhecer que esta terra tem dono, que todos os territórios brasileiros são terra indígena, e que Sepé assim como muitos irmãos e irmãs que hoje abraçam a cruz é um irmão”. Alinhavando o registro, trazem ainda a lembrança do saudoso irmão marista Antonio Cecchin, que em vida foi um entusiasta da causa de Sepé e um militante da utopia da Terra Sem Males: “Sejamos o oitavo povo das Missões. Se no RS existiram sete povos que foram dizimados pelo império colonial, que aprendamos a ser o oitavo povo, povo a caminho, povo que busca este aguyje*”.
Sobre o processo:
O pedido para a beatificação partiu de Bagé (RS), através do bispo, hoje emérito, Dom Gílio Felício, em meados de 2018. As razões e as assinaturas de mais de 100 autoridades políticas, padres, intelectuais de diversas áreas foram expostas no documento. Com a autorização do Vaticano para que se pudesse dar continuidade ao processo, Sepé passou a ser invocado como “Servo de Deus”, que é o primeiro passo para a “beatificação”, e depois à “canonização”.
Atualmente o processo é conduzido por Dom Frei Cleonir Dall Bosco, atual bispo da diocese de Bagé. A comissão pró-beatificação de Sepé segue em atividade e os espaços de divulgação da causa – como aconteceu na Romaria dos Mártires da Caminhada, em Rondonópolis – contribuem para a o progresso dos trabalhos, bem como fortalecem a motivação daquelas e daquelas que buscam este objetivo.