Atividade acontece na UNILA na última semana de outubro e reúne pesquisadores, especialistas, povos originários e movimentos sociais
A história latino-americana pré-invasão europeia guarda referências de civilizações avançadas e redes de integração que permitiam o intercâmbio de experiências e até mesmo trocas comerciais, culturais e espirituais. Entre os caminhos que conduziam os povos de Abya Yala de um lado a outro do continente, talvez o mais significativo – e do qual mais há referências consolidadas – é o Peabiru. E agora ele será tema de um seminário na Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA) em Foz do Iguaçu.
De 22 a 24 de outubro o auditório Lélia Gonzalez, no Campus Integração, acolherá pesquisadores e especialistas no tema, junto de representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas e movimentos sociais de matriz camponesa. Intitulado “O Caminho Sagrado do Peabiru – Do Atlântico ao Pacífico e as Integrações Contemporâneas da América Latina”, tem acesso livre, com inscrições através do link https://sig.unila.edu.br/eventos/login.xhtml (é necessário realizar cadastro para efetivar a inscrição).
Estão previstos nos três dias de programação palestras, oficinas, trilhas e apresentações culturais. Segundo os organizadores, o evento busca conciliar saberes tradicionais e críticas ao desenvolvimento predatório, inspirando novas formas de cooperação regional sustentável, que incorporem a memória e a experiência histórica dos povos tradicionais. Entre os resultados esperados estão o aprofundamento do debate sobre a integração latino-americana, com a promoção de publicações e propostas de políticas públicas que valorizem rotas ancestrais como patrimônio vivo, bem como a construção de um projeto de pesquisa original sobre a temática, que possa orientar futuras investigações plurais e integradas entre os grupos participantes.
O administrador e professor do curso de Relações Internacionais e Integração da UNILA, Érico Massoli, argumenta que “o evento busca integrar a larga tradição do regionalismo latino-americano, aprofundando a missão da universidade de promover a integração da América Latina e o Caribe”. Sob uma perspectiva de longa duração, aponta que “é possível identificar que a integração regional não se limita ao período das independências do século XIX, pois experiências ameríndias, como o Caminho do Peabiru, revelam formas milenares de conexão continental que antecedem as campanhas bolivarianas e mesmo os atuais projetos bioceânicos”.
Massoli, que coordena a Comissão Organizadora do Seminário, destaca que “essa rede milenar de trilhas interoceânicas, dotada de tecnologias avançadas para a época, conectava o Atlântico ao Pacífico, atravessando territórios hoje correspondentes a sete países da América do Sul”. Ele conclui que o Seminário do Peabiru tem o potencial de “resgatar modelos alternativos de integração latino-americana, baseados na solidariedade e no respeito às urgências ambientais da atualidade”.
Já Patrícia Mechi, Coordenadora do PPGICAL explica que o seminário se alinha ao compromisso institucional do ICAL e da UNILA ao refletir sobre os caminhos e possibilidades da integração latino-americana: “Entendemos a universidade como espaço vivo, onde diversos saberes dialogam para enfrentar os desafios do nosso tempo e pensar alternativas ao modelo de desenvolvimento excludente e predatório”. Ela anda comenta que o caminho de Peabiru mostra que a integração entre os povos da região existia antes da colonização: “Com este seminário, se pretende recuperar essa memória, fundamental para pensar formas de integração que sejam mais justas, solidárias e que contemplem também as comunidades que vivem aqui”.
Um caminho que começa na ancestralidade e segue além dos nossos dias
Carlos Dominguez, jornalista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) explica que “o seminário vai tratar dos mais variados aspectos do tradicional Caminho do Peabiru, a ancestral rota de integração do continente, entre as populações dos Andes e das terras baixas”. Para Dominguez, que integra a comissão organizadora do seminário, trata-se de “um encontro entre pesquisadores e indígenas, lideranças espirituais e quilombolas, estudantes e artistas que têm em comum uma visão contracolonial e constroem agora outro território sagrado e de equilíbrio ambiental e social”.
O encontro propõe um debate interdisciplinar, refletindo sobre os legados do Peabiru e desafios atuais. Organizado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPG-ICAL), Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política (ILAESP) e da Associação de Pós-Graduandos(as) da UNILA (APAG Arandu), busca discutir a importância do Peabiru como símbolo de integração pré-colonial, seu papel na colonização e seus paralelos com projetos contemporâneos de integração política, econômica, educacional, cultural e de infraestrutura (energia, transporte e comunicações), frequentemente marcados por lógicas neoextrativistas.
O jornalista Marcos Antonio Corbari vai representar o Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), ao lado de Tairi Felipe, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores. Ambos estão na Mesa 4, que acontece na quinta-feira (23) a partir das 18h30. O tema central da mesa é “Buen Vivir, cosmologias e construção de alternativas ao desenvolvimento”, sob mediação da jornalista Renata Camargo. Corbari e Felipe apresentarão em conjunto o painel “Movimento Sociais e Populares e a causa da Pátria Grande: um novo Peabiru que interliga povos e utopias”.
“A integração entre os povos indígenas, as áreas quilombolas e as comunidades camponesas desconhece o traçado das fronteiras”, comenta Corbari. O jornalista que tem se dedicado a experiências de comunicação popular em meio aos povos dos campos, das águas e das florestas aponta que “o intercâmbio de saberes segue sendo construído sob o signo de Abya Yala, de modo especial pelas sementes compartilhadas, verdadeiros elos que constroem um processo de comunicação que honra a ancestralidade, abre novas trilhas a partir do ramal sagrado do Paebiru e firma passos rumo a um horizonte utópico onde havemos de construir a Pátria Grande de todos e todas”.
Felipe relembra que nos 30 anos de história do MPA – cuja celebração inicia em janeiro de 2026 – o movimento tem estabelecido relações para fora das fronteiras brasileiras. “Com profundo sentimento de hermandade com os que lutam e resistem ao redor do globo e orientado pela Teoria da Dependência, o movimento pratica o internacionalismo revolucionário”, acrescenta o dirigente, destacando ainda que na América do Sul o MPA tem estabelecido relações de solidariedade, articulações politicas e intercambio de experiencias nas áreas de organização camponesa, saúde popular, agroecologia, sementes crioulas e cooperação.
RESUMO DA PROGRAMAÇÃO:
22/10 (quarta-feira):
- 14h | Abertura com a participação de representantes da UNILA, ILAESP, PPGICAL, APG, SETU/PMFI, PNI/ICMBio, COMTUR, MPO e Instituto de Ciência e Cultura Brasil-China.
- 14h30 | Mesa 1: O Caminho Sagrado do Peabiru. Participação de: Cláudia Parellada (Museu Paranaense / UFPR); Almir Ponte Filho (Arqueólogo); Gilberto Guarani (pesquisa arqueológica em Guairá, Filme da Canoa); Avá Jeguyaju (Xamoi Aldeia, Diamante do Oeste/PR); Sinclair Pozza Casemiro (UEM). A mediação será de Carlos André Dominguez (UFPel).
- 19h | Mesa 2: Caminhos de Peabiru como Trilha Turística de Longo Curso. Participação de: Rosana Bond (Florianópolis/SC); Vivian Brito (UNIOESTE/SETU-PMFI); Anna Vargas (SETU-PR); José Ulisses (Parque Nacional do Iguaçu/ICMBio); Diogo Marcel (Presidente do Conselho Municipal de Turismo – COMTUR); Vítor Barbato (Adetur Cataratas e Caminhos); Adnir Antonio Ramos (arqueólogo); Sara Moraes (Adetur/PR).
23/10 (quinta-feira):
- 9h | Visita de Campo no “Quilombo Horta do seu Zé e da Dona Laíde” (Vila C);
- 10h30 | Roda de Conversa: “Diálogos de pesquisa sobre povos indígenas e meio ambiente”, sob coordenação de Cláudia Sofía Jimenez (PPGRI) e Valter Dorea (PPGRI).
- 14h | Mesa 3: Biointeração, (Des)envolvimento, Buen Vivir e Ancestralidade. Participação de: Maria Serrate (liderança Quilombola); Nazane (liderança Guarani); Dilce (MST); Angela de Souza (NEALA/UNILA); Clovis Antônio Brighenti (UNILA); Mário Ramão (UNILA). A mediação fica por conta da jornalista Renata Camargo.
- 16h30 | Trilha Reflexiva até a beira do rio Paraná, nos fundos do Campus Integração.
- 18h30 | Mesa 4: Buen Vivir, cosmologias e construção de alternativas ao desenvolvimento. Com a participação de: Ana Carolina Teixeira Delgado (PPGRI/UNILA); Luciana Mello Ribeiro (OBEAMV/UNILA); Tairi Felipe (MPA) e Marcos Antonio Corbari (ICPJ). A mediação é da jornalista Renata Camargo.
- A noite | Cine Peabiru: atividade organizada pelo Curso de Cinema/UNILA.
24/10 (sexta-feira):
- 9h15 | Visita de Campo: “Aldeia Guarani Arapy” (Foz do Iguaçu);
- 9h-12h | Oficina de Cartografia Social: Mapeando Nuestros Saberes en la Triple Frontera, sob coordenação de Gerson Ledezma, Joselaine Pereira, Rubén Mogollón e Marta Szadkoski (PPGICAL).
- 14h | Mesa 5: Integração Interoceânica na América do Sul, BRICS e Relação China – América Latina. Convidados: Paulo Henrique Possas (MPO); Javier Vadell (PUC MG); Yu Tao (Instituto de Ciência e Cultura Brasil-China / UFSC). Mediação de Fábio Borges (PPGICAL / ILAESP).
- 17h30 | Audição do álbum “Paêbirú: Caminho da Montanha ao Sol”, de Lula Cortês e Zé Ramalho. Coordenação de Diego Rodrigues e Bruno Elena dos Santos Xavier.
- 19h | Mesa de Encerramento: O Céu Inscrito no Caminho – O ‘App’ Astronômico Compartilhado no Peabiru e na Antiga China. Convidado(a): Yu Tao (Instituto de Ciência e Cultura Brasil-China/UFSC)
Atividades paralelas: Durante os três dias haverá atividades no hall de entrada do auditório, como Feira Agroecológica, estandes, oficina da agricultura familiar “Cozinha Comunitária e Soberania Alimentar”, atividades culturais e exposição da Revista Peabiru da UNILA.
O seminário “O Caminho Sagrado do Peabiru – Do Atlântico ao Pacífico e as Integrações Contemporâneas da América Latina”, é uma realização da UNILA, PPGICAL, ILAESP, APG Arandu e Curso de Jornalismo da UFPel. Apoiam o evento: CIIRI, PROEX, PRPPG, EDUNILA, MST, SETU-PMFI, NEALA. A atividade tem como parceiros: Parque Nacional do Iguaçu, ICMBio, Urbia Cataratas e Itaipu.