Mário Artemio Urchei (*)
- O Contexto internacional
A humanidade está passando por profundas transformações estruturais e pelo agravamento da crise econômica internacional, marcado pelo avanço do neoliberalismo e das forças conservadoras em escala planetária.
Muito mais do que uma crise cíclica do capitalismo, o mundo atual vive uma crise civilizatória, resultando no crescimento das desigualdades sociais, na financeirização especulativa da economia em escala global, nas discriminações de toda ordem e nos impactos ecológicos nunca antes imaginados, no qual o atual modelo agrícola convencional é um dos responsáveis, chegando-se a um impasse concreto entre a lógica da economia mundial e o ecossistema do planeta. Vivemos uma crise socioambiental, ética e de valores.
Nas grandes potências, verifica-se intenso processo de inovação tecnológica, marcado pela transição de uma era baseada no desenvolvimento industrial para uma nova ordem mundial, a do conhecimento e da informação. Tal processo caracteriza-se por ajustes e mudanças econômicas, sociais, culturais e políticas.
Desenha-se um mundo dominado pela inovação tecnológica com o avanço da automação, do desenvolvimento de novos processos produtivos, da nanotecnologia, da evolução da engenharia genética, dentre outros, onde o conhecimento, a tecnologia e a informação ocupam a posição central.
A velocidade e a facilidade na troca de informações, seja pelas redes de computadores via internet ou pelo aparato tecnológico da comunicação via satélite, tornam-se evidentes. Desenvolve-se uma cultura globalizada e massificada.
No entanto, o fluxo de conhecimentos e o acesso às inovações tecnológicas não se distribuem de forma homogênea pelo mundo.
Impõe-se uma acentuada concentração dos recursos tecnológicos nos países do hemisfério norte, autointitulados desenvolvidos, por intermédio dos blocos dominantes a serviço dos interesses das principais potencias econômicas.
A crise energética mundial torna-se peça chave na dinâmica da economia e dos interessas globais.
No sistema agroalimentar, verifica-se claramente o avanço do capitalismo financeiro e das empresas transnacionais sobre todos os aspectos da agricultura e do sistema alimentar dos países e do mundo.
O desenvolvimento das sementes, a produção e venda de agrotóxicos, a compra das colheitas, o processamento dos alimentos e o seu transporte, distribuição e comercialização ao consumidor, são controlados por um número reduzido de empresas. Os alimentos deixaram de ser um direito dos povos, tornando-se apenas mercadorias e lucro para alguns conglomerados transnacionais.
- A conjuntura nacional
O momento político, social e econômico pelo qual o Brasil está passando, em sintonia com a onda conservadora internacional, é muito grave, com retrocessos históricos para toda a sociedade brasileira.
Constata-se o avanço extremamente rápido das forças conservadoras, de um estado policialesco, preconceituoso e da ameaça efetiva à nossa democracia formal.
Esse quadro está associado à agenda ultraneoliberal do atual governo federal e ao desmonte do tênue Estado Público de Bem Estar, o que favorece a lógica privatista e os grandes grupos econômico-financeiros, em detrimento dos interesses do povo brasileiro, de forma geral, principalmente da classe trabalhadora e dos segmentos populares, do campo e da cidade, excluídos da economia formal.
O avanço dessa agenda neoliberal no país está trazendo graves consequências para a economia e para a sociedade brasileira, quais sejam: múltiplas políticas públicas de desregulamentação da economia, abertura das fronteiras nacionais, retirada do poder produtivo do Estado, livre circulação do capital financeiro especulativo, transferência do patrimônio público para corporações transnacionais, perda da nossa soberania, diminuição dos direitos dos trabalhadores, aumento do desemprego e elevação da dívida pública, podendo chegar a 100% do PIB até o final do ano. Um verdadeiro caos!
Esse processo, agravado pela pandemia do novo coronavírus, especialmente pela omissão do governo federal, está elevando, de maneira objetiva e implacável, a miséria de parcelas significativas do povo e das(os) trabalhadoras(es) brasileiras(os), ao mesmo tempo em que está aumentando o poder, a influência política e a concentração do capital das grandes corporações e do sistema financeiro especulativo.
Nesse contexto, a situação do nosso país e das empresas públicas, incluindo-se a Embrapa, é extremamente grave. Com a aprovação da Emenda Constitucional que congelou por 20 anos os investimentos em saúde, educação e ciência e tecnologia, tivemos impactos diretos no orçamento de todas as empresas públicas do país.
O congelamento de um orçamento que já tinha sido contingenciado, além dos sucessivos cortes ao longo de 2020, traz problemas gravíssimos para as nossas empresas e, no caso da Embrapa, a situação chega a ser dramática, ameaçando a sua sobrevivência.
- A Ciência e Tecnologia brasileira e o papel da Embrapa na pesquisa pública
Um aspecto fundamental, quando se discute as perspectivas de ciência e tecnologia, para o desenvolvimento do nosso país, é que a construção do conhecimento, a geração de tecnologia, sua adaptação, bem como sua utilização e sua apropriação decorrem de um processo histórico de desenvolvimento e de interação das forças políticas, econômicas, sociais e culturais existentes no interior da sociedade.
Ou seja, a ciência não é um ente abstrato, puro e independente, mas sim uma construção que interessa a determinados segmentos da sociedade. Com isso, a propalada neutralidade da ciência, seu caráter universal, bem como sua apropriação indistinta pelos diferentes segmentos da sociedade não condiz com a realidade.
Aliado a isso, o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil, incluindo a Embrapa, apesar da sua inegável importância, sempre teve uma forte conotação tecnológica, esquecendo das dimensões sociais, culturais, econômicas, ambientais, éticas e históricas.
Ao mesmo tempo, a C&T adquiriu um viés autoritário e elitista, num entendimento de que, em virtude de seu caráter pretensamente universal e imparcial, tem sempre as melhores respostas para oferecer à sociedade. Isso não é necessariamente verdade, uma vez que existem outras formas válidas de conhecimento, além do científico.
Em contraposição a esse modelo excludente, busca-se a construção de outro modelo de desenvolvimento, democrático, participativo e trabalhado a partir dos interesses da sociedade e não apenas do mercado. Com isso, é fundamental ir além do crescimento econômico e viabilizar o desenvolvimento econômico baseado na distribuição de renda, na diminuição das desigualdades sociais e regionais, na geração de postos de trabalho, na soberania alimentar e na preservação ambiental, com participação nas decisões pelos diferentes segmentos da sociedade e controle social.
- A campanha nacional do SINPAF em defesa da Embrapa Pública, Democrática e Inclusiva
A Embrapa, apesar de suas contradições, continua sendo a maior empresa de pesquisa agropecuária do país e uma das mais importantes do mundo, é um patrimônio do povo brasileiro.
Entretanto, no cenário atual de desmonte generalizado das empresas e serviços públicos e os recorrentes cortes orçamentários, sua sobrevivência está ameaçada.
Diante dessa situação emergencial, a Diretoria Nacional do SINPAF assumiu o compromisso público de mobilizar a comunidade interna e a sociedade de maneira geral para defender a Embrapa por meio de uma campanha nacional. E essa campanha está ancorada em três valores fundamentais que devem definir o foco da empresa: Pública, Democrática e Inclusiva.
Pública porque a Embrapa é estratégica para o país, para nossa biodiversidade, para buscar o desenvolvimento agropecuário com equilíbrio ambiental e para nossa soberania alimentar, o que não será feito por nenhuma empresa privada.
Democrática porque vivemos num momento em que a democracia no país está sendo ameaçada em todas as suas dimensões. E nossa empresa já sente os efeitos desse cenário aumentando o controle, a burocracia, a falta de transparência e gerando um ambiente interno hostil à criação, à inovação e à participação tanto interna quanto dos segmentos externos demandantes da pesquisa agropecuária pública.
E Inclusiva porque precisamos aumentar nossa atuação em segmentos extremamente importantes, mas pouco valorizados, para a soberania alimentar e para a preservação ambiental do nosso país. Estamos nos referindo aos quase 4,4 milhões de agricultoras(res) familiares, comunidades tradicionais, assentadas(os) da reforma agrária, quilombolas, ribeirinhos, comunidades indígenas, dentre outros.
A Embrapa é sua, é nossa, é do povo brasileiro!
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(*) Mário Artemio Urchei é Diretor de Ciência e Tecnologia do SINPAF (Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário)