Texto redigido compilando informações do Vatican News, Brasil de Fato, Associação ANSA/Associação Casaldáliga e G1.
O sábado, 08 de agosto, foi farto em notícias difíceis para o povo brasileiro. Quase ao mesmo tempo em que a pandemia de Covid-19 alcançava a marca de 100 mil mortes no país, um dos homens que mais representou em sua vida o ideal de luta popular alcançou a sua Páscoa. Dom Pedro Casaldáliga – que viveu seus dias e sua luta de forma profética – encerrou sua jornada terrena aos 92 anos, em Batatais, São Paulo. O missionário espanhol radicado há mais de 50 anos no Brasil, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, faleceu no hospital da Santa Casa de Misericórdia com complicações pulmonares agravados pelo Mal de Parkinson.
Nascido de familia camponesa, em Balsareny (Catalunha) a 16 de fevereiro de 1928, Casaldáliga assumiu com coerência radical e empenho a Opção pelos Pobres e tem sido uma das figuras mais destacadas da Teologia da Libertação, informa nota publicada pela Associação ANSA e Associação Araguaia com o Bispo Casaldáliga. Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia desde 1971, trabalhou sempre a favor dos peões, dos camponeses, dos sem-terra e dos Povos Indígenas, se posicionando abertamente contra o latifundio, o agronegócio e todos os poderes económicos que negam os direitos dos indivíduos e dos povos.
Dom Pedro Casaldáliga lançou em 1971 a Carta Pastoral por Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social. O texto ficou conhecido nacional e internacionalmente e marcou o perfil do missionário como porta-voz de índios e agricultores. Foi um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que até hoje atuam na defesa de indígenas, comunidades tradicionais e trabalhadores do campo. A notícia de sua morte foi amplamente lamentada por movimentos, organizações e pastorais que comungaram de sua luta junto ao povo.
Poeta, escritor e comunicador por vocação, Casaldáliga foi autor ou co-autor de mais de 100 obras traduzidas para várias línguas e através das quais expressou os seus sentimentos e paixões mais íntimos; a sua posição teológica baseada na libertação e na esperança; a sua visão de um mundo que deve necessariamente optar pela justiça e pela paz; e o seu compromisso com uma Humanidade mais “humana”. Sempre disposto e disponível com todos e todas, Casaldáliga concedeu centenas de entrevistas e escreveu inúmeros artigos, circulares e cartas.
O arcebispo de Ribeirão Preto, dom Moacir Silva, que fez uma rápida visita a Casaldáliga na quinta-feira (6), disse: “dom Pedro é um ícone no Brasil pela sua dedicação plena e total ao povo de Deus, de modo especial, aos mais pobres e necessitados. Ele sofreu diversos reveses na vida por causa dessa sua opção, mas sempre foi fiel a Cristo, à Igreja e à missão”. O teólogo Leonardo Boff – assim como Casaldáliga, um expoente da Teologia da Libertação – relembrou as palavras do velho amigo que afirmava que “a alternativa cristã é a vida ou a ressurreição”, para depois afirmar: “Vive na memória de todos os pobres que defendeu, dos martirizados pelo latifúndio,nos libertos da opressão e em nossa fé e em nossa esperança que ele nos fortaleceu”.
Fundador de pastorais e organizações sociais dedicadas à luta pela terra, à defesa dos Povos Indígenas e contra o capitalismo neoliberal e as desigualdades sociais, Casaldáliga sempre defendeu a necessidade de termos um compromisso pessoal e comunitário com os mais pobres. Fruto desta visão, tenacidade e luz profética, Casaldáliga inspirou muitos movimentos sociais que hoje enriquecem o tecido social da América Latina e lutam por um mundo melhor. Para João Pedro Stédile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), esse é um dia muito triste para o povo brasileiro, em particular para os movs do campo e as pessoas de fé: “Perdemos um profeta e poeta. Um homem que viveu intensamente com seu povo, coerente com o evangelho”.
Muitas vezes censurado, silenciado, perseguido pelos poderosos e tendo sofrido várias tentativas de assassinato, Casaldáliga permaneceu sempre fiel à Utopia: sempre em luta para construir o Reino de Deus na terra. Sempre com esperança. Mesmo pressionado e questionado pelo Vaticano, Pedro trabalhou sempre a favor da transformação radical da Igreja e da sua estrutura clerical, defendendo e fazendo uma Igreja pobre, co-responsável e participativa.
O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva publicou nota em seu site onde afirma que “nossa terra, nosso povo perde hoje um grande defensor e exemplo de vida generosa na luta por um mundo melhor, que nos fará muita falta. Permanece entre nós seu legado, seus ensinamentos e que eles nos ajudem a proteger nosso Brasil nesse momento tão difícil”. O governador do Maranhão, Flávio Dino usou o Twitter para expressar seu pesar e afirmou tratar-se de “um grande e verdadeiro patriota do povo brasileiro”. Ciro Gomes também expressou-se pela rede social afirmando que “o Brasil perdeu hoje um grande lutador”.
Velório
Os atos fúnebres começaram neste sábado, 8, na capela do Claretiano – Centro Universitário de Batatais, São Paulo. Está previsto um segundo ato em Ribeirão Cascalheira (MT), a partir de segunda-feira (10). Aida sem dia definido, um terceiro e último velório será realizado em São Félix do Araguaia.