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Fundação BB e Instituto Padre Josimo iniciam projeto “Reconstruir RS: Quintais Agroflorestais”

Ato público realizado em Marques de Souza marca o início das ações que vão atender 600 famílias camponesas atingidas pelas enchentes

 

Organizados e mobilizados: camponeses atingidos pelas enchentes lotaram o CTG de Marques de Souza para conhecer o projeto. / Rafaela Glüge

 

Texto: Marcos Antonio Corbari 

Fotos: Thalia Krack, Rafaela Glüge, Gerson Borges e Marcos Antonio Corbari

 

O CTG Caminhos da Serra, na cidade de Marques de Souza, região do Vale do Taquari (RS), ainda exibe nas paredes a marca do nível que a água atingiu nos dias mais críticos das enchentes de 2023 e 2024. Muitos dos mais de 500 agricultores e agricultoras de base camponesa que se reuniram ali em 29 de outubro também carregam marcas da tragédia. Mas, se as estruturas físicas podem ser reconstruídas, as pessoas também merecem reconstrução. E é sobre isso que trata o projeto “Reconstruir RS: Quintais Agroflorestais”.

A iniciativa, ancorada pelo Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), Fundação Banco do Brasil (FBB), Banco do Brasil e Governo Federal, vai atender diretamente 600 famílias camponesas atingidas, de forma direta ou indireta, pela tragédia climática que assolou o estado. Para alcançar os locais onde a ação é mais necessária, destacam-se a participação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), da Cooperativa Origem Camponesa, Cooperbio, Flor e Ser Agroecológico, Arpasul e Aparse. No ato, todas essas entidades estiveram representadas, assinando contratos e firmando compromissos com os agricultores e agricultoras.

O coordenador do projeto, Miqueli Schiavon, explicou o objetivo central e apresentou dados sobre o que será realizado: “Nosso objetivo é estruturar áreas de produção agroecológica para famílias afetadas pela catástrofe climática, por meio da implantação de Quintais Produtivos Agroflorestais, e aprimorar a infraestrutura produtiva de organizações sociais que promovem sustentabilidade e adaptação às mudanças climáticas.”

 

Miquéli Schiavon, coordenador do projeto, apresentou dados e objetivos propostos pela ação. / Rafaela Glüge

 

Os valores investidos na ação ultrapassam R$ 11,6 milhões, a serem aplicados ao longo de 18 meses de execução. A maior parte do montante provém de convênio de cooperação financeira com a Fundação Banco do Brasil, complementado com recursos próprios dos parceiros. A rede de apoio conta com a participação de 23 organizações, a maioria delas vinculada à ação Missão Sementes de Solidariedade, que se dedicou ao atendimento emergencial das demandas de retomada da produção das famílias camponesas no período pós-enchente.

Schiavon ressalta que é justamente a atuação em rede que potencializa o alcance do projeto, mantendo o foco na agroecologia, segurança alimentar e reconstrução sustentável. Estima-se que 600 famílias sejam atendidas inicialmente, com atenção especial à participação de mulheres e jovens em 23 municípios do Rio Grande do Sul.

O coordenador do Instituto Cultural Padre Josimo, Frei Sérgio Antônio Görgen, destaca que o projeto se diferencia pela articulação territorial, experiência acumulada e estratégia de reconstrução sustentável dos envolvidos no pós-desastre climático: “Combina assistência técnica direta, infraestrutura coletiva e fortalecimento institucional, com transparência na aplicação dos recursos e ampla rede de parcerias.”

 

Frei Sérgio celebrou a parceria entre o ICPJ e a Fundação BB e convocou todos e todas presentes a seguirem organizados e mobilizados / Gerson Borges

 

As ações incluem a prestação de assistência técnica e acompanhamento socioprodutivo, inserção das famílias em mercados da agricultura familiar, viabilização de infraestruturas coletivas e estruturação de quintais produtivos agroflorestais.

 “Serão 600 agroflorestas viabilizadas, com o plantio de 15 mil árvores nativas e 15 mil frutíferas. Vamos distribuir 600 toneladas de adubo orgânico e 600 toneladas de pó de rocha, além de viabilizar equipamentos de uso individual e coletivo para que os beneficiários possam manejar seus espaços produtivos.”

Paralelamente, segue o trabalho das organizações parceiras, fomentando a distribuição, multiplicação e partilha de sementes crioulas, bem como o incentivo à transição agroecológica, substituindo insumos e agrotóxicos por bioinsumos e técnicas de agricultura ecológica. As sementes, como já anunciava o nome da ação emergencial, são, de fato, solidárias.

 

Denúncia e chamamento: é preciso avançar!

 

A espiritualidade e a mística da união está sempre presente nas atividades de mobilização do campesinato. / Marcos Antonio Corbari

 

Viviane Chiarello, dirigente do MPA, ressaltou que os pequenos agricultores e agricultoras não são responsáveis pelas mudanças climáticas — e muito menos pelas tragédias decorrentes delas —, mas estão entre os primeiros a sofrer seus efeitos. A reconstrução, segundo ela, depende de organização, mobilização e reconhecimento da importância do trabalho camponês, que garante o alimento na mesa de todos.

“Organização e mobilização é o que temos feito, é o que está acontecendo aqui e é o que continuará acontecendo dia após dia, na realização desta e de muitas outras ações que se integram ao nosso trabalho.” O movimento reforça que o campesinato precisa de renda, condições para a juventude permanecer no campo, moradia digna e crédito para produzir.

“Cumprimos as duas principais missões que salvam a humanidade: cuidamos do meio ambiente e colocamos comida na mesa do povo. Por isso exigimos respeito e políticas públicas que nos ajudem a cumprir essas missões”, afirmou Frei Sérgio.

 

Kleytton Morais reiterou o desafio de reconstruir os territórios, as comunidades e as pessoas: recriar as condições para que tudo floresça / Marcos Antonio Corbari

 

 

O presidente da Fundação Banco do Brasil, Kleytton Morais, destacou que o encontro realizado em Marques de Souza demonstra a força e a potência dos pequenos agricultores e agricultoras na busca pela reconstrução dos territórios e por condições dignas de vida e produção. “A gente vê o cuidado e a resiliência de cada um e de cada uma em recriar as condições para que tudo floresça novamente.”

Diante dele, homens e mulheres atentos ouviam as falas que se sucediam, tratando do projeto, dos investimentos que contemplam a recuperação de solos, a segurança alimentar, a assistência técnica e, claro, o plantio de árvores e sementes que consolidarão 600 agroflorestas no entorno das casas.

O presidente da Fundação BB lembrou que a instituição, junto com o Banco do Brasil, participa das ações de apoio ao RS desde os primeiros momentos da tragédia, articulando-se com diversos parceiros para atuar também na reconstrução. “Num primeiro momento foi a ajuda humanitária. Agora vivenciamos a entrega de um novo ciclo, com ações estruturadas e aporte de recursos em diferentes projetos.”

 

Incentivo à produção de bioinsumos também está presente na ação protagonizada pela Fundação BB, ICPJ e MPA / Thalia Krack

 

Falando sobre a parceria com o ICPJ, Kleytton destacou que os quintais produtivos agroflorestais têm uma importância especial, pois costumam ser conduzidos por mulheres e jovens: “Aqui construímos exemplos para o Brasil, que vão inspirar políticas públicas e fechar um ciclo virtuoso. Falamos de associação familiar, fixação da juventude no campo, enfrentamento das violências estruturais e empoderamento das mulheres — de uma educação em que o racismo, o sexismo e todas as formas de discriminação não encontrem mais espaço para germinar em nossos territórios.”

 

Mãos que se unem para trabalhar, vozes que se somam para falar mais alto

Jacira Ruiz, da Cáritas RS, que coordena as ações da Missão Sementes de Solidariedade, afirmou que projetos como esse trazem saúde às pessoas e esperança às comunidades: “A gente não vive sem esperançar.” Ela lembrou o cientista Carlos Snowb, ao abordar o aumento da temperatura global: “Ele diz que há uma solução para reverter esse quadro, e está em nossas mãos — plantar árvores.” E, segundo Jacira, ninguém faz isso com mais envolvimento e coragem do que os pequenos agricultores e agricultoras, que deveriam ser exemplos para toda a sociedade.

 

Jacira Ruiz, da Cáritas, relembrou os dias da tragédia e relatou o desafio das primeiras ações de junto aos atingidos e atingidas pela Missão Sementes de Solidariedade / Foto: Talia Krack

 

Joana da Silva, jovem filha de camponeses e estudante da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, relatou a situação de sua comunidade, Monte Alegre, em Vale Verde:  “Ficamos mais de 15 dias isolados. Muitas pessoas da comunidade foram atingidas, perderam casas, perderam tudo.” Ela acredita que o novo projeto será decisivo para reconstruir a esperança, recuperar a vegetação e tudo o que foi perdido: “Estamos animados. Aqui conseguimos ter uma visão muito mais ampla do que o projeto pode representar para nós.”

Luíza Eduarda Prank, de Sinimbu, também estudante da Escola Família Agrícola, comparou os dias críticos — quando sua cidade esteve entre as mais atingidas — com o momento atual, em que o desafio da reconstrução ganha apoio do projeto conjunto da Fundação BB e do ICPJ:  “Percebi que meu curso técnico em Agropecuária, com ênfase em Agroecologia, pode contribuir de forma importante para recuperar áreas degradadas e, principalmente, apoiar as pessoas.” A jovem está desenvolvendo um projeto de sistema agroflorestal com foco na recuperação da mata ciliar.

 

Outros projetos apoiados pela Fundação BB e realizados em parceria com o MPA estiveram representados no ato / Thalia Krack

 

Dona Lenissane Rentes, de Travesseiro, ainda se emociona ao lembrar dos momentos difíceis: “A água do rio invadiu nossa casa duas vezes. Perdemos tudo: os móveis, os utensílios e as coisas da agricultura.” A família viveu momentos de terror: “Primeiro ficamos agarrados a um poste de luz; depois, tivemos que subir no telhado da casa. Passamos muito medo de ser levados pela água.” Ela ressaltou a importância da ajuda de amigos, vizinhos e da Missão Sementes de Solidariedade, que levou sementes e mudas que ajudaram no recomeço. 

Produtora agroecológica e guardiã de sementes em Paraíso do Sul, Diulie Almansa integra o coletivo Flor (e) Ser Agroecológico, que atua em rede com foco na produção de alimentos e na comercialização por meio da economia solidária: “A Fundação Banco do Brasil e o Instituto Padre Josimo nos beneficiaram com esse projeto dos quintais agroflorestais, que é muito importante neste momento de crise climática, com mudanças que nos prejudicaram, tanto com as chuvas quanto com a seca.” Para ela e seus companheiros, a ação permitirá recuperar variedades de sementes crioulas, adubações verdes, ramas de mandioca e outros insumos importantes perdidos por quem viveu enchentes, enxurradas e deslizamentos.

 

Agricultores e agricultoras camponesas presentearam as autoridades com cesta de itens produzidos nos pós-enchente / Thalia Krack

 

Com os documentos assinados e objetivos alinhados, é hora de arregaçar as mangas e transformar em realidade o que foi projetado. Os técnicos já estão em campo, e as 600 famílias selecionadas começaram, ali mesmo, a receber sementes, mudas, insumos agroecológicos e as primeiras orientações.

Como resumiu o grito de ordem do MPA ao final do ato: “Diante das mudanças climáticas, temos uma certeza: Agricultura Camponesa!”

 

Visita da Fundação BB ao escritório de projetos do ICPJ e centro de formação da Cooperativa Origem Camponesa / Thalia Krack

 

 

 

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