Marcos Antonio Corbari
Nesta segunda-feira (25) o diretor do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ) e integrante do comitê gestor do Pólo de Inovação Energético Ambiental do Pampa Gaúcho, Frei Sérgio Antônio Görgen, manifestou-se acerca da sentença proferida pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre, que determinou a suspensão das licenças da Usina Termelétrica Candiota III e da Mina de Carvão Mineral Candiota, localizadas no município de Candiota (RS). A sentença foi publicada na sexta-feira (22/8). A ação civil pública foi proposta por três associações civis: Núcleo Amigos da Terra Brasil; Instituto Preservar e Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN).
Frei Sérgio, que reside na região há quase duas décadas e acompanha as ações de mitigação dos impactos ambientais da cadeia produtiva do carvão e conhece como poucos as repercussões sociais que a cessação dessa atividade pode causar no território, manifestou-se em suas redes sociais através de um vídeo de 18 minutos onde expõe argumentos, questiona a decisão da juíza Rafaela Santos Martins da Rosa e demonstra indignação frente as organizações proponentes da ação.
“Aprendi conhecer aquela região e principalmente as pessoas que estão lá. Nós todos fomos surpreendidos com a decisão que resultou na suspensão da licença ambiental da usina de Candiota, que gera energia à base do carvão, e que já está deixando no desespero milhares de pessoas que trabalham lá ou que tem seus empregos indiretamente vinculados à ação daquela usina”, aponta Görgen, indicando que a estimativa é que entre 4 e 5 mil pessoas sejam atingidas, impactando toda a região. “A decisão manda suspender pura e simplesmente, da noite pro dia, a operação da usina, gerando um desemprego brutal”.
Frei Sérgio inicia questionando a legitimidade das organizações que propõem a ação civil, uma vez que não tem atuação na região e demonstram desconhecimento a respeito da pauta, indicando informações defasadas ou mesmo inverídicas na proposição da ação. “Eu milito na luta ecológica há muito tempo, não apenas discurso, mas envolvendo práticas coletivas muito significativas, inclusive na região”, afirmou.
“É uma decisão a pedido dessas três entidades que não são da região, que conhecem muito pouco a região, não sabem o que está se fazendo, não sabem das modificações que foram feitas, não sabem de muitas ações que já foram feitas lá visando minimizar o problema ambiental. Não sabem do impacto social. Eu os desafio para um debate lá na região, para demonstrar para eles o que eles não conhecem”, afirma Görgen, citando como exemplo a própria veiculação de imagens antigas na imprensa e até mesmo na matéria publicada pela assessoria do próprio TRF4, que mostra no cenário uma das usinas que foram desativadas há cerca de 7 anos.
“Essa decisão mais do que desastrosa, ela é desumana com muitas pessoas que entram numa insegurança muito grande agora. Mas ela é desproporcional também, porque é uma medida drástica para uma situação na qual é pedido uma transição energética. E a decisão da doutora Rafaela Santos Martins da Rosa, é uma decisão de interrupção energética”, afirma Görgem, explicando ainda que a decisão demonstra sequer ter noção de temporalidade, uma vez que propõe condicionantes a serem atendidos em períodos de dois meses, três meses e até fim de janeiro de 2026, mas a decisão final simplesmente interrompe a atividade de forma brusca. “A usina foi desligada no sábado (23) e a partir de agora mergulha uma região inteira numa brutal incerteza”.
Frei Sérgio – que leu as mais de 300 páginas da sentença antes de as manifestar – identificou inclusive inconsistências de datas vinculadas pela magistrada como referência temporal para o cumprimento de etapas, ora se referindo a 2025, ora a 2026. Segundo ele, tais lapsos denotam a forma apressada com que o assunto foi resolvido. “Veja bem, se ela tivesse revisado com um pouco mais de calma, ela não teria colocado para cumprir uma decisão em janeiro de 2025, sendo que nós já estamos em agosto de 2025”. Segundo Görgen, diversas frentes estão mobilizadas para buscar a reforma da sentença, incluindo juristas e pessoas especializadas na área do meio ambiente.
Frei Sérgio questiona a tentativa por parte das entidades proponentes da ação, em responsabilizar a usina de Candiota pelos efeitos da crise climática do Rio Grande do Sul, citando desde os períodos sucessivos de estiagem que ocorrem na região, até a tragédia climática das enchentes que atingiu outras regiões do estado. Conforme ele, se busca responsabilizar o Carvão de Candiota, explorado desde o início da década de 1960, pelo efeito do acúmulo de carbono na atmosfera e do aquecimento global, que começou em 1850 com a era industrial, a partir inicialmente dos países europeus, seguindo-se de Rússia, Estados Unidos e China. Cita ainda a exploração do petróleo, que trouxe também mais carbono à atmosfera. “Como é que uma usina a carvão de Candiota, estabelecida 110 anos depois do início dos efeitos da causa da crise climática, seria ela sozinha, aparentemente, a causadora dessa tragédia toda? Isso é desproporcional. É uma confusão entre o global e o local, uma confusão das causas da crise do clima e é uma confusão que não poderia acontecer nem com essas entidades que se dizem qualificadas, nem com a Dra. Rafaela Santos Martins da Rosa, que é doutora em meio ambiente”.
Outro elemento grave apontado por Görgen na petição inicial das entidades e na decisão da juíza é o aparente desconhecimento da realidade local, especialmente do fato de que duas usinas já foram fechadas (as chamadas Fase A e Fase B). Também cita o desconhecimento a respeito das iniciativas desenvolvidas em âmbito local e regional para minimizar os impactos, dando como exemplo o plantio de mais de 1000 hectares de árvores desde 2012. O rigor das ações de fiscalização por parte do IBAMA e da FEPAM também foi citado, para que os gases emitidos sejam ao máximo possível controlados e não seja expelido material particulado na atmosfera.
“O ar de Candiota hoje é um ar que está com melhor qualidade do que qualquer média ou grande cidade no estado ou mesmo no Brasil e isso não foi levado em conta”, indica Frei Sérgio, apontando inclusive dados inconsistentes a respeito de questões de saúde no município que podem ser facilmente refutados se consultados os índices registrados na própria Secretaria Estadual de Saúde que vai se comprovar que os impactos citados na saúde da população não existem mais. Segundo Görgen, tais indicadores podem até ter ocorrido no passado, mas atualmente “não existem mais, porque medidas foram tomadas pelo profissionalismo dos técnicos do IBAMA e pelo profissionalismo dos técnicos da FEPAN”.
Ele aponta ainda a forma como a realidade local foi desconsiderada no seu aspecto social. “É como se o ambiente não tivesse gente, como se essa usina tivesse lá extraviada no meio do Pampa e funcionasse sozinha, sem ninguém trabalhando, sem ninguém existindo, sem nenhuma vida social ao redor dela. E não é assim. Esses que defendem o meio ambiente, desconsiderando a questão social e desconsiderando as pessoas, o ambiente sem gente, não são verdadeiros ambientalistas. São falsos ambientalistas, porque só um processo social, educação ambiental, envolvendo as pessoas, você consegue dar passo para a frente”.
Görgem critica a aparente confusão de conceitos: “O tempo todo falam em transição energética, mas o que a juíza determinou não é transição, é interrupção energética. É gerar o caos imediato. Eu, como cidadão brasileiro, tenho o direito de dizer que essa decisão é desumana, desrespeitosa, não levou em conta a vida humana e nem os progressos ambientais que teve na região ao longo do último período, já iniciando a transição energética, fazendo com que ela tenha dado passos importantíssimos na região”.
O que se esperava, na interpretação de Görgen, é que o judiciário fizesse uma inspeção local, que teria um efeito positivo “para conhecer a realidade como ela existe”, não se deixando convencer apenas pelas informações levadas por “gente de fora, que não conhece a região, que não está lá”.
Ele questiona inclusive onde estavam as organizações proponentes da ação civil durante as tragédias climáticas de 2023 e 2024. “Eu e mais uma multidão de jovens militantes, pessoas da igreja, pessoas dos movimentos sociais, fomos lá na região, acompanhamos a tragédia, fizemos várias ações de socorro, de ajudar na reconstrução, na reabilitação das pessoas, das famílias. Não vi essas entidades ambientalistas lá, não sei onde estavam, não vi junto com o povo, não vi fazendo o seu papel real com as pessoas e não apenas a crítica e a culpa”.
Para Görgen a motivação da ação é uma espécie de teoria do “bode expiatório”. Citando o filósofo Renê Girard, ele propõe uma digressão reflexiva, questionando se o povo, as usinas e as minas de Candiota não estão sendo usados como bode expiatório para amenizar o sentimento de culpa de outras pessoas que estão distantes do território e da realidade ali vivenciada: “Eu não quero desligar minha luz. Eu não quero desligar meu ar-condicionado na noite de verão muito quente, nem na noite fria de inverno. Eu não quero deixar de andar com meu carro, eu não vou deixar de andar de avião. Eu estudo e percebo que a mudança climática vem através da geração de CO2, mas eu não quero mudar meu modo de vida. Eu tenho que achar um bode expiatório para jogar todas as culpas, para me livrar das minhas culpas”, explicou. “Candiota e o povo de Candiota, de Hulha Negra, de Pinheiro Machado, de Bagé, de Caçapava, que depende do trabalho daquela usina, é o bode expiatório”.
Outro ponto crítico relembrado por Görgen diz respeito à construção civil no estado do RS, uma vez que cerca de 40% do cimento produzido no estado é derivado das cinzas das usinas a carvão. A tendência é de que o cimento fique mais caro, desencadeando um custo mais levado para toda a cadeia da construção civil, desde as obras de casas populares até os grandes empreendimentos imobiliários.
Mostrando uma publicação que sintetiza uma série de informações coletadas e estudos realizados pelo Polo de inovação Energético Ambiental do Pampa Gaúcho, voltou a reafirmar que a transição energética no território já vem sendo trabalhada a partir dos principais interessados no tema, que são as comunidades local e regional.
“Nós precisamos reverter essa decisão desumana, trágica, mal fundamentada e fundamentada num ambientalismo que não dialoga com o mundo real. Aliás, citaram a COP de Glasgow e a conferência de Paris, só esqueceram de dizer que lá se diz que o uso do carvão deverá ser reduzido gradativamente até 2050. Já foram fechadas duas usinas por decisão do IBAMA. Já houve a redução solicitada por Glasgow. A nossa defesa é o prolongamento do uso dessas usinas até 2043, muito antes de 2050, portanto, dentro das decisões que o Brasil participou no contexto internacional. Por favor citem, mas citem integralmente essas convenções”.
No final do vídeo, Frei Sérgio conclama o povo de Candiota e região para que se organize e pede ao Judiciário que tenha mais atenção e cuidado nesse tipo de decisão. “Temos que fazer a transição energética, temos que defender o meio ambiente, temos que superar a mudança climática, mas não desta forma. Esta forma está errada. Esta forma nem é educativa para o povo, porque às vezes coloca muita gente que não entende toda essa questão contra as medidas ambientais que nós precisamos tomar e que a região está fazendo, está tomando, está fazendo o seu papel”.
Por fim, reconheceu que ainda há muito o que se melhorar nas ações sobre o tema, mas reiterou que “uma decisão drástica como essa não ajuda em nada, de nenhuma forma. Transição energética não é interrupção energética. E a destruição de vidas de pessoas não pode ser o caminho para cuidar do meio ambiente. O caminho é outro”.
O vídeo na íntegra está disponível nas redes sociais de Frei Sérgio:
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