Sobre futebol, religião e política

23 de novembro de 2019
Autor

Frei Vanildo Zugno

Frade Capuchinho

 

Há duas afirmações do senso comum que precisam ser postas em questão. A primeira, a de que religião e política não se discutem. E muito menos em família ou com os amigos. Afinal, muitos de nós rompemos relações com familiares e nos afastamos de pessoas com as quais tínhamos amizade por causa de diferenças religiosas e políticas. Segundo esse pensar comum, que nasce de experiências às vezes dolorosas, cada um tem sua opção política e sua escolha religiosa e ninguém tem o direito de nela interferir.

O argumento pode ter até uma razão prática. Mas não se sustenta. E isso pela natureza dos dois temas em questão. Tanto a religião como a política são realidades sociais. E as opções que cada indivíduo faz têm consequências não só para ele, mas para toda a sociedade.

A religião, por definição, é a fé vivida de maneira comunitária. Não existe religião de uma só pessoa. A religião – e todas as religiões sem exceção! – são sistemas de sentido compartilhados que visam dar razões à existência e à coexistência. Os valores e comportamentos religiosos, queira o indivíduo ou não, têm incidência social. Por isso podem e precisam ser discutidos.

Da mesma forma a política. Ela é o arranjo consensuado e legitimado de regular as relações sociais. Portanto, toda opção política pode e deve ser discutida, pois a opção de cada um afeta a existência de todos os demais membros da sociedade.

O que podemos questionar é o modo como fazemos estas discussões. Muitas vezes, prevalece a vontade de impor a própria opção religiosa ou política sobre as outras pessoas e a indisposição para ouvir o argumento do outro. Nesse caso, o entrave não está no objeto de discussão, mas no modo como ela é conduzida.

A outra afirmação do senso comum que precisa ser superada é a de que religião e política não se misturam. Primeiro, por um dado prático. Se olharmos a vida política do Brasil e da América Latina nas últimas décadas, veremos que religião e política se entrelaçam cada vez mais intimamente. Para o bem ou para o mal. Mas é um fato que não pode ser negado.

Segundo, religião e política se mesclam também por uma questão conceitual. Com olhares e objetivos diferentes, estes dois âmbitos da existência tratam, como dissemos acima, da mesma realidade: a convivência social. A religião dá o sentido. A política organiza esse sentido na convivência prática. Inevitável que os dois universos se toquem e precisem dialogar. Não fazê-lo, acaba criando uma sobreposição às vezes esquizofrênica.

Para os cristãos, esse diálogo não é apenas um dado prático ou teórico. É uma questão de fé. Afinal, Jesus, a fonte e referência do cristianismo, foi morto em consequência de um julgamento político. Ele foi crucificado por ter-se afirmado como Rei dos Judeus em contraposição ao Imperador Romano. Por isso morreu na cruz e, todos os anos, a Igreja o celebra como Rei do Universo.

Mas atenção! É bom lembrar a muitos cristãos que Jesus não foi o agente crucificador. Ele foi o crucificado. Quem o mandou torturar e matar foi um general romano. Rezamos no creio que Ele “padeceu sob Pôncio Pilatos” e não que Ele “crucificou a Pôncio Pilatos”. Sempre é bom lembrar isso! Principalmente nestes tempos sombrios em que pessoas, em nome de Deus, ostentam instrumentos de tortura e morte chegando à aberração de chamá-lo de “General Jesus Cristo”.

Jesus é Rei, sim. Mas é o rei que entrou em Jerusalém montado num jumento e não num tanque de guerra. Sua única arma foi o perdão e a misericórdia. E seu trono é a cruz. Apresentar Jesus Cristo como um Rei guerreiro, rodeado de soldados sedentos de sangue e armados até os dentes, prontos para matar, não é apenas um desconhecimento da pessoa de Jesus. É pecado, é blasfêmia.

Que possamos deixar renascer em nós a presença de Jesus, o Rei da Paz que nasce da Justiça!