Mobilidade, gratidão e salvação

10 de outubro de 2019
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A mobilidade faz parte da condição humana. Mais: poderíamos dizer que o que nos tornou humanos foi o fato de querer ir mais longe. Afinal, o que impulsou nossos ancestrais a deixar de andar de quatro patas para tornarem-se bípedes? Facilitar o deslocamento, com certeza, foi um dos fatores. De pé se vê mais longe e o andar se torna mais ágil e rápido para buscar comida, localizar um melhor lugar para viver, fugir dos inimigos, encontrar-se com os outros… Todas necessidades básicas que moveram os primeiros home sapiens e a humanidade durante trezentos mil anos de história e continuam a impulsionar, hoje, milhões e milhões de pessoas a saírem de seus locais de origem e buscar outros espaços de vida.

De uma forma ou de outra, todos somos migrantes ou descendentes de migrantes. De primeira, segunda, terceira ou mais gerações. É só olhar para trás na história dos antepassados. Às vezes, basta pronunciar o sobrenome para saber que somos migrantes ou descendentes de migrantes. O sotaque e a cor da pele nos denunciam. Por que, então, tanta dificuldade em aceitar os migrantes em nossa comunidade, em nossa cidade, em nosso país?

A palavra técnica para isso é xenofobia. Originada do grego, ela significa, literalmente, o medo ao diferente. De fato, o migrante que nos mete medo é sempre o estranho ao nosso mundo. Se é igual a nós, nem é considerado imigrante, mesmo que tenha vindo de muito longe. Mas se a sua cor de pele, sua língua, sua religião, sua cultura, seus costumes, são diferentes dos nossos, as reações xenofóbicas não tardam a manifestar-se.
O que nos mete medo, não é a mobilidade, mas a presença entre nós do diferente. Parece que isso faz parte da condição humana. Já no tempo de Jesus era assim. Os judeus tinham muita dificuldade em aceitar quem não pertencesse ao seu povo. O ódio aos romanos era óbvio. Roma era o Império estrangeiro que invadiu, espoliou e mantinha sob ferrenha dominação o povo judeu. O medo aos cananeus também, já que Israel havia se apossado de suas terras. Já o medo aos samaritanos era menos explicável. Judeus e samaritanos faziam parte do mesmo povo. E cultuavam o mesmo Deus. O que os diferenciava era a presumida pureza de sangue dos judeus e o lugar de culto e alguns costumes particulares.

Várias vezes nos evangelhos Jesus apresenta um samaritano como modelo de fé. A passagem mais conhecida é a do chamado “bom samaritano”. Mas existe também a passagem do leproso samaritano que, junto com outros nove leprosos judeus, foi curado por Jesus. Dos dez, apenas o samaritano voltou para agradecer. Só ele reconheceu em Jesus a presença salvadora de Deus. Bem diferente dos leprosos judeus que, também curados por Jesus, continuaram encerrados em sua convicção nacionalista e xenofóbica de que os privilégios de Deus são exclusivamente para eles.

Curados, os nove judeus nacionalistas, ortodoxos e xenófobos foram ao templo. Mas Deus não estava no templo. Deus estava em Jesus. E foi só o samaritano estrangeiro, herético e longe de sua terra que o encontrou e foi salvo por sua fé.

 

Frei Vanildo Zugno