Frei Cirineu Bonini da Luz, OFM*
A violência, algo cada dia mais presente na vida dos/as brasileiros/as, é pauta de reflexão da Igreja Católica do Brasil, através da Campanha da Fraternidade de 2018 – “Fraternidade e superação da violência”. Inúmeras comunidades refletem o tema inspiradas no lema bíblico do Evangelho de Mateus 23,8 “Vós sois todos irmãos”. Através desta ação a Igreja propõe uma reflexão mais abrangente sobre a realidade brasileira, visando contribuir na busca por alternativas, a fim de renovar na consciência dos cristãos e das cristãs e também em todas as pessoas de boa vontade, o imperativo de Jesus por uma sociedade justa e solidária, de vida em abundância para todos, de espírito comunitário e fraterno entre as pessoas, visando o bem de todos/as.
Falar de violência é falar de algo complexo. Ela se apresenta de múltiplas formas. Conforme a Organização Mundial da Saúde, violência se caracteriza como “uso intencional da força contra si mesmo, contra outra pessoa ou contra um grupo de pessoas, podendo resultar em dano físico, sexual, psicológico ou morte” (Texto Base, 6). A percebemos sob três formas. Primeira, no cotidiano: roubos, assassinatos… O Brasil teve em 2014 um inglório recorde: 13% dos assassinatos do planeta, totalizando 59.627. Isso significa a morte de cinco pessoas por arma de fogo a cada hora, mais que em qualquer conflito bélico atual. A omissão do poder público em relação às pessoas mais vulneráveis coloca, por exemplo, o policiamento localizado em áreas privilegiadas. Esta mesma população igualmente é atingida por ter pouco ou nenhum poder aquisitivo em contratar alguém que lhe possa defender, se necessário, perante a lei.
A segunda forma é a sua institucionalização. Através do (não)serviço do Estado, surge uma violência sem rosto, que causa dano a uma coletividade de pessoas. A educação pública precarizada, por exemplo, causa danos graves à sociedade. Em linhas gerais, podemos dizer que as estruturas sociais geram mais violência no cotidiano, uma vez que não há muita possibilidade de mobilidade social no curto prazo. Lembramos, aqui, de pessoas que na luta pelos direitos humanos acabaram se tornando vítimas da própria violência por motivo de uma rígida estrutura social, derivada de uma política pública para privilegiados. Sua terceira forma é a chamada cultura de violência. Esta, faz com que a própria vítima torne-se culpada. Criam-se mecanismos de defesa particular e coletiva, fazendo com que atos violentos passem a não o ser. Naturaliza-se a violência, Quando o Estado não é capaz de dar segurança, a própria pessoa se deve dar.
Devemos entender a violência no Brasil, não esquecendo da história e a tamanha desigualdade gerada. A superioridade do branco europeu tem resquícios ainda hoje. Por isso a desigualdade econômica, fortemente alimentada nas últimas décadas pelo apetite capitalista continua gerando um sistema econômico no Brasil, onde alguns lucram em cima da tragédia de outros.
Mas o que fazer diante de um cenário deveras turbulento? A Igreja, apoiada na Sagrada Escritura, em escritos de papas, padres, teólogos, mas sobretudo no testemunho de vida de Jesus Cristo, olha para a história humana, com amor, mesmo distanciada de sua originalidade criacional. O isolamento, o individualismo, o hedonismo, o consumismo, tudo isso e muito mais, será superado com o resgate da consciência de grandeza da vida e a beleza de viver. A reconstrução de relações com o outro e com todos os seres torna-se fundamental para a existência saudável do diálogo e da cultura da paz.
Num mundo onde se pode praticamente tudo, em que o lucro é colocado acima das pessoas, a fraternidade e a solidariedade acabam sendo pequenas. Torna-se necessário o estímulo do bem nas relações, bem como da solidariedade, da misericórdia, do perdão. O amor é o testemunho maior da não violência. Esses e outros valores assumidos ajudam na construção da paz, fomentam a luta pelos direitos humanitários através de políticas públicas emancipatórias e trilham o caminho da justiça; sem pegar em nenhuma arma. Com o profeta Isaías 65,17 poderemos juntos dizer que começa a “surgir um novo céu e uma nova terra”. Todo camponês terá sua terra, toda família terá sua casa, todo trabalhador terá seu trabalho. Um mundo novo irá chegar.
- Frade membro da congregação franciscana no Brasil.