Um dos discursos recorrentes no debate sobre os direitos originários dos povos indígenas do Brasil é que a possível expansão dos territórios indígenas rejeição do “marco temporal” vá “prejudicar o agronegócio”.
Uma reflexão mais profunda, entrelaçando o conjunto real de fatores que incidem no uso da terra e na produção de alimentos, nos apresenta, pelo menos, três situações objetivas que demonstram exatamente o contrário: o ciclo das águas, o real impacto territorial e o impacto sobre a base social que produz alimentos para o mercado interno.
1 – O Ciclo das águas
O principal insumo da produção agropecuária não é terra, nem sementes, nem máquinas, nem fertilizantes e tampouco agrotóxicos: É ÁGUA. Não há fotossíntese, nem trocas catiônicas, nem solubilidade dos fertilizantes, nem atividade microbiológica no solo, nem desenvolvimento vegetativo regular, nem sequer germinação normal, sem água. E água para produção agropecuária significa chuvas regulares. Em tempos de mudanças climáticas, a regularidade das chuvas – o ciclo das águas – dependem de alta retenção de umidade na superfície. E isto depende de cobertura florestal na regulação biótica do ambiente. Terras indígenas, sem sombra de dúvidas, mantém maior cobertura florestal que o agronegócio e, por consequência, maior retenção de umidade no solo com impacto regional sobre o ciclo regular das chuvas.
Portanto, a presença de terras indígenas nos territórios, beneficia a produção agropecuária.
Mesmo a irrigação depende de rios cheios, bacias de captação abastecidas e lençóis freáticos constantemente providos em seus pontos de recarga, o que só acontece com água de superfície abundante.
Ao invés de prejudicar a produção de alimentos, as terras indígenas contribuem para ciclos produtivos mais estáveis e menores perdas por estiagens prolongadas. Mais terras indígenas significam mais matas preservadas, mais água disponível, e, portanto, mais produção e menores prejuízos para os agricultores e pecuaristas com stress hídrico.
2 – Impacto territorial
As áreas em conflito por ampliação de territórios indígenas são pontuais e insignificantes, em termos de espaço ocupado, em comparação com a ocupação do espaço agrícola nacional. Não tem o condão de prejudicar a produção do país. Trata-se mais de alguns conflitos regionais bem identificados do que uma questão realmente nacional. Pode ter incidência para ALGUNS interesses regionais, mas baixo impacto em termos gerais da produção nacional. Recuperar áreas degradadas pela produção agrícola e pecuária extensiva e irresponsável forneceria infinitamente mais área produtiva do que as áreas indígenas reivindicadas e as suas reais necessidades de expansão, justamente reivindicadas.
3 – Agricultura familiar é que abastece o país
Quem realmente produz alimentos para o abastecimento interno do país não é o grande agronegócio. São as unidades de produção familiar e as médias propriedades. E os conflitos com estes coletivos sociais podem ser resolvidos com o reassentamento bem estruturados dos agricultores e devolução das terras aos indígenas. A agricultura familiar contribui com mais de 70% do abastecimento interno do país, com apenas 23% das áreas utilizadas e menos de 12% do crédito agrícola disponível no sistema de crédito nacional. A expansão das terras indígenas reivindicadas é brutalmente insignificante em relação ao território global ocupado pela produção de alimentos no país.
E nos últimos anos em que o agronegócio latifundiário orgulhou-se de recordes de produção de grãos, a fome aumentou desastrosamente nos lares brasileiros. Indígenas com suas terras protegidas produzirão seu próprio alimento.
Os alardeados ganhos de produtividade por área, cantados em verso e prosa pelo agronegócio parecem ruir quando afirmam que nesgas de terras reivindicadas pelos povos indígenas vá prejudicá-los realmente.
É ganância incontida e nada tem a ver com prejuízos reais ao sistema produtivo nacional.
*Frei franciscano, militante do MPA, autor de “O Plano Camponês”.