Artigo: Diário da Missão Sementes de Solidariedade (Por Júlio Lázaro Torma)

18 de julho de 2024
Autor
Júlio Lázaro Torma
“Enviou dois a dois, na sua frente,para toda cidade e lugar”
(Lc 10,1)
 
Estes foram dias de preparação,perspectivas para a Missão Sementes de Solidariedade e na sua execução. Entre as comunidades rurais dos municípios atingidos pela catástrofes sócio ambiental,que atingiu a região dos vales e o estado do Rio Grande do Sul nos meses de Abril- Maio de 2024.
 
No dia 27 de Junho, as 17: 40 Hs ou as 20: 40 UTC, um sismo ou terremoto de magnitude 2,5 na Escala Richter, no município de Pelotas, um grande estrondo foi sentido,escutado em toda a região.
 
28 de Junho,as 20 hs, o primeiro conversatorio da Ameríndia ( Uruguay),com o tema: ” La realidad que nos desafia Capitalismos, conservadurismos y violencias”, com João Decio Pasos ( Brasil) e Alejandro Ortiz Cotte ( México),que foi via on line.
 
29 de Junho, Arrumar mala, mochila,sacola e recolher as doações de Rosário na Paróquia São José Operário ( Bairro Fragata em Pelotas), Tarde e noite celebrações nas Comunidades Divino Espirito Santo e Sagrada Família. Noite fria de 6º C, sensação térmica de 3º C, forte frio polar e vento minuano,soprando de ” reenguiar cusco”. Recebo a benção de envio das comunidades eclesiais de base e noite em família.
 
30 de Junho ( Domingo), manhã fria as 9 hs participo da celebração na capela de Lourdes,animada pela Teóloga e Ministra da Eucaristia Lirane. Após a benção de envio, me despeço desta,retorno para casa ha onde me despeço da minha mãe Elair e do sobrinho  Anthony. Sigo as 10 hs de carro com Andrei Thomaz Oss Emer até o Bairro de Daltro Filho ( Imigrante/ RS).
 
No caminho, muita destruição após Guaíba, o delta do Jacuí, nível elevado das águas. Muitas famílias morando em barracas na beira da rodovia nas ilhas.
 
Somos os primeiros hospedes do Convento São Boaventura,construção em pedra grês, construído por freis franciscanos holandeses entre 1939-1952. Conheço as dependências do convento e caminho pelas ruas íngremes do Bairro e jantamos com os freis Blázio Kummer, Pedro, Lino e Sérgio Görgen( O.F.M).
 
01 de Julho- Após delicioso café da manhã, antes da formação, recebemos com pesar e tristeza à noticia da Páscoa da Ressurreição de Matilde Cecchin ( 1936-2024), ” Apóstola das mulheres pobres”. Irmã do irmão marista e ” Profeta da Ecologia”, Irmão Antônio Cecchin ( 1927-2019). Curso de formação durante o dia e planejamento com os missionários e guias.
 
02 de Julho, Acordar as 6 horas da manhã. O grupo é dividido em dois grupos, um que parte para o vale do Rio Pardo ( Candelária) e outro na qual me incluo,que percorrerá o vale do Rio Taquari.
 
Estou junto com a Brigada Énio Guterres do ( Movimento dos Pequenos Agricultores e Pequenas Agricultoras), junto com os jovens João Gabriel ( Gramado Xavier),Cléber ( Santa Cruz do Sul), Elisa ( Vera Cruz), Deividi ( Hulha Negra), Kássio ( Pernambuco), Daniel (Rondônia) e Antônio ( Ceará/ MAB).  Nossa primeira visita é o município de Taquari.
 
Visitamos o Rincão São José, concentração no Santuário Nossa Senhora da Assunção. Neste local Nossa Senhora apareceu  em março de 1988, para algumas crianças do lugar. Durante a enchente um boi,apareceu sobre o altar do Santuário. A localidade é rururbano, camponeses clássico e os que trabalham e tem atividades urbanas na cidade.
 
Helicópteros sobrevoam as proximidades,margens do rio Taquari. Muitas famílias não pretendem retornar e há casos de depressão,estresse pós traumático.
 
Encontramos destruição de casas, algumas pessoas incrédulas. Parte da tarde visita aos assentamentos Tempo Novo do MST,criado em 1987 e Campo do Estado criado pelo governador Leonel Brizola. Os assentados distantes 5.8 km do rio Taquari,seus moradores querem ficar morando em suas terras. Rincão São José distante do rio,alagado por um arroio. Pessoas carentes querendo desabafar e preocupado com vizinhos,parentes e amigos.
 
Neste dia nas três localidades, cadastrei e visitei,num total de 9 famílias. Boa receptividade dos terços.
 
03 de Julho, levantar as 6 hs da manhã e  café as 7 horas saída para Bom Retiro do Sul as 7: 30 hs. Neste dia se incorpora a Missão as jovens Olga ( Rondônia) e Dandará ( Tenente Portela).
 
Saímos para fazer o município de Bom Retiro do Sul. Da cidade guiados pelos guias,seguimos para o interior as margens do Taquari. O rio aparentemente calmo e tranquilo, muito assoreado e vegetação apodrecida. Cenário de povo empobrecido,as casas e propriedades destruídas,abandonadas,descaço dos poderes públicos municipais  e estaduais.
 
Percorremos as localidades de Linha Pedreira- Beira Rio,estivemos no Armazém do Rogério em Faxinal Silva Jorge, há relato de furtos durante a enchente.
 
As pessoas querem conversar, desabafar ou simplesmente receber um abraço. Como falou dona Paula ao Antônio ( CE), ”  A visita de vocês é importante, mas importante é um abraço”.
 
Várias pessoas abandonaram suas propriedades ou estão vendendo para os mais estruturados. Relatam visitas de prefeitos de Santa Catarina,oferecendo empregos precarizado, nas fábricas estaladas nos seus municípios.
 
Os agricultores e agricultoras desejam permanecer em suas terras.
 
Retorno para Daltro Filho,pegamos uma leve garoa na estrada. Assisto a Missa na capela do Convento, janta e reunião de planejamento e avaliação. Neste dia cadastrei 4 famílias nas duas localidades. O cenário de terra arrasada, devastada e os relatos mexeu com o nosso emocional.
 
04 de Julho. Acordar as 6 hs,tomo chimarrão com a Sandra,as 7 hs café da manhã. Nos dividimos em três carros,somos 9 missionários que parte para Arroio do Meio.
 
O caminho como em toda região devastada pela enchente, é um cenário de destruição, casas destruídas,postes derrubados,pontes caídas e árvores arrancadas. As marcas nas paredes mostram a altura em que a água chegou.
 
Nos encontramos com o seu Lari ( MPA) no Seminário Sagrado Coração de Jesus. Nos dividimos em duplas na qual percorremos as localidades de Forqueta e Forqueta Baixa. As pessoas preservam o idioma alemão de seus antepassados no dia a dia. Comprei um litrão de cachaça artesanal no Alambique Maders,uma senhora muito simpática nos recebeu. Povo acolhedor, nos lembrava que construíram casas e adquiriram maquinários nos governos Lula e Dilma ( 2003-2016).
 
Na Forqueta foi perdida as lavouras ou acesso as mesmas pela água ou Ausrutschen ( deslizamento) dos morros. Em Arroio Grande á comunidade está discutindo a restruturação do cemitério que foi destruído e alagado.
 
Em Forqueta Baixa, a lama atingiu a área de várzea cultivada pelos pequenos agricultores e agricultoras e criam seus animais. Pude ver dois agricultores trabalhando na terra em meio a lama,reconstruindo o que haviam perdido.
 
Pessoas tiveram o seu emocional afetado como vimos e relatou o brigadista Antônio ” A gente fala brincando para não chorar”.
 
A Brigada Énio Guterres do MPA,terminou todas as áreas afetadas do município de Arroio do Meio. Após as visitas nos despedimos dos amigos e lideranças populares Lari, Astor e Paulo que nos acompanharam nas visitas as pessoas e famílias atingidas.
 
Noite, conversa e avaliação das ações, com Frei Sérgio Görgen, no convento São Boaventura em Daltro Filho.
 
05 de Julho,acordo as 6 hs, tomamos café da manhã, arrumamos malas e mochilas.
 
Alguns brigadistas na parte da manhã vão para o município de Marques de Souza e localidade de Bela Vista do Fão.
 
Nos despedimos com um belo e caloroso abraço de uma amizade que fica, que nasceu de um gesto nobre de Solidariedade, empatia, de amor ao próximo de uma vida dedicada e doada ao povo,de colocarmos a vida em primeiro lugar.
 
Após retornaremos para os seus lares ( Palmeira das Missões, Seberi, Vera Cruz, Tenente Portela, Gramado Xavier, Hulha Negra, Santa Cruz  do Sul, Rondônia, Ceará,Estrela, Pelotas).
 
Eu e Gerson ficamos, como os cronistas desta linda Missão Sementes de Solidariedade do grupo que percorreu o Vale do Taquari. Nos dias 2 a 4 de Julho de 2024, foram visitadas 90 famílias, cadastrei 21 famílias.
 
Ao total os dois grupos que percorreram os vales do Taquari e Rio Pardo, visitaram presencialmente 171 famílias e podemos considerar mais de 200 famílias,porque deixamos folder com vizinhos,parentes ou nas casas das famílias,que não se encontravam.
 
Tenho grande gratidão por poder participar da Missão, conhecer pessoas maravilhosas de perto e de longe. Que movidos pela empatia,amor ao próximo se puseram pés a caminho na reconstrução dos vales e campinas.
 
Nós Homens, Mulheres e Jovens, gente simples do povo do campo e da cidade. Estamos construindo a História não como os ricos e poderosos querem.
 
Vamos deixar um grande marco e legado para as futuras  gerações das sementes que lançamos na terra não será em vão,plantas para o irmão e irmã.
 
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* Voluntário da Missão Sementes de Solidariedade