Iniciativa tem objetivo de dar visibilidade às vozes, saberes e resistências da população negra no Rio Grande do Sul
Fabiana Reinholz | Brasil de Fato RS

Com o objetivo de dar visibilidade às vozes, saberes e resistências da população negra no Rio Grande do Sul, o Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ) lança o projeto “Igualdade e Cultura Negra: Vozes e Territórios”, realizado com Termo de Fomento nº 973281 do Ministério da Igualdade Racial, a partir de emenda da então deputada federal Reginete Bispo (PT-RS). A iniciativa reúne seminário estadual, nova edição da revista Tição, curso de comunicação popular, websérie, podcast, reportagens especiais, edição impressa de jornal, abordando a história, as lutas e o protagonismo de quilombos, terreiros e comunidades negras no estado.
Segundo o Censo de 2022, o Rio Grande do Sul tem 2,3 milhões de pessoas pretas e pardas, o equivalente a 21,19% da população, e concentra um dos maiores números de terreiros do país. Porto Alegre é a capital com mais quilombos urbanos do Brasil, o que reforça a importância de políticas e ações voltadas à valorização desses territórios e à promoção da igualdade racial.
Entre as atividades do projeto está o seminário “Caminhos de Resistência: Mulheres Negras e Quilombolas – Vozes e Territórios”, que será realizado no dia 8 de novembro, das 8h às 18h, no Ritter Hotel (Largo Vespasiano Júlio Veppo, 55 – Centro Histórico, Porto Alegre). O evento marca esta reunião de esforços coletivos juntando autoridades, lideranças negras, quilombolas, de terreiros, das periferias, das organizações e grupos sociais para debater o tema do protagonismo da mulher negra na conjuntura atual e as estratégias de defesa no direito dos territórios. A inscrição para o seminário pode ser realizada neste link.
Vozes e territórios
Com longa trajetória na defesa dos direitos humanos e na promoção da justiça social, o Instituto Padre Josimo tem entre seus pilares a formação crítica e a autonomia dos territórios populares. Desde 2015, a entidade desenvolve o projeto Sementes de Solidariedade, que distribui sementes e mudas crioulas para pequenos agricultores, quilombos e comunidades indígenas, fortalecendo redes de solidariedade, especialmente durante a pandemia e após as enchentes de 2024.
Essas experiências, segundo o instituto, revelaram “visão de mundo sustentável e comunitária” vivenciada em terreiros, quilombos, periferias, muitas vezes invisibilizada pela mídia. “Ao conhecer estes territórios, vimos como compartilhamos a mesma visão de mundo e a mesma prática de solidariedade. São ações de resistência e sustentabilidade que a maioria da população ainda não conhece ou faz questão de invisibilizar”, afirma a coordenadora do projeto pelo ICPJ, Saraí Brixner.
Em 2020, numa parceria com o Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma), foi realizada uma série de lives chamadas “Matripotência e as Sagradas Mulheres Água”. Um espaço de escuta e partilha sobre espiritualidade, resistência e protagonismo das mulheres negras. “A principal demanda que emergiu dessa parceria foi criar espaços estruturados para que essas vozes possam ecoar sem medo, trazendo suas experiências e visões de mundo”, destaca o grupo.
A partir dessas vivências, o projeto “Igualdade e Cultura Negra” busca reconhecer, fortalecer e divulgar ações já realizadas por mulheres negras em seus territórios, contribuindo para a superação das desigualdades históricas e para o reconhecimento de seus saberes.
Brixner explica que o objetivo é “ajudar a promover a igualdade social e racial a partir da vida das mulheres negras, de suas lutas e experiências cotidianas”. De acordo com ela, as ações do projeto estão interligadas, formando um percurso de encontros e produções pedagógicas que visam fortalecer as comunidades e construir uma consciência coletiva antirracista. “É um projeto ensinante e aprendente”, define a coordenadora. “Acreditamos que a melhor forma de construir consciência de classe é quando o fazemos coletivamente e conseguimos nos colocar no lugar do outro, mesmo em lugares de fala diferentes.”
Para o instituto, as comunidades periféricas e quilombolas carregam grande potência organizativa e de liderança, mas nem sempre têm seu trabalho reconhecido. “Queremos potencializar o que já existe e dar visibilidade às ações realizadas nesses territórios. É uma contribuição modesta diante da grandeza dos desafios, mas necessária para que a temática racial seja tratada com seriedade e respeito na mídia e na sociedade.”
Comunicação popular e ancestralidade
Entre as frentes da iniciativa está o Curso de Comunicação Popular – Vozes e Territórios, com carga horária de 40 horas, distribuídas em cinco encontros aos sábados, entre 1º de novembro a 6 de dezembro, no auditório da CUT-RS (Rua Dr. Barros Cassal, 283 – Bairro Floresta, Porto Alegre). O curso é voltado a comunicadores populares, com foco em linguagem plural, antirracista e inclusiva, e inclui módulos sobre disputa de hegemonia na comunicação, narrativas antirracistas, redação popular, redes sociais e ferramentas audiovisuais. A inscrição pode ser feita neste link.
O projeto também prevê a produção de reportagens com foco em quilombos, terreiros de matriz africana, cultura, geração de renda e políticas públicas voltadas à população negra. Também terá entrevistas com especialistas sobre territórios, políticas públicas, cultura e o viver da população negra. Serão matérias com foco nos direitos humanos e de cunho social.
Edições impressas
Como forma de massificar o conteúdo, também serão produzidas uma revista e um jornal impresso, que incluirão matérias e reportagens sobre as histórias e desafios das mulheres negras e quilombolas e do povo negro em geral, valorizando suas contribuições culturais, sociais e políticas. As publicações serão distribuídas amplamente e de forma gratuita. E aqui, vale ressaltar, que a parceria com a revista Tição reafirma a importante contribuição para a luta antirracista produzida ao longo de 50 anos.
Websérie e podcast
A websérie, com 10 episódios, propõe um mergulho audiovisual nos quilombos e terreiros da Capital, Região Metropolitana de Porto Alegre e do sul do estado, destacando os territórios como espaços de resistência, ancestralidade e vida comunitária. Já o podcast, apresentado por Iyá Vera Soares, referência do movimento negro e coordenadora do Fórum Nacional de Segurança Alimentar, terá 12 episódios sobre o percurso histórico pela espiritualidade, tradição e luta da população negra no RS. Entre os temas estão visão de mundo africano, saúde pública, ervas medicinais, economia solidária, cooperativismo negro, cultura ancestral e educação de matriz africana.

Simbologia e ancestralidade na arte
A identidade visual do projeto foi criada pela artista visual, ativista e arte-educadora Rusha Silva, que traduziu em traços e cores a diversidade de gerações de mulheres negras ligadas à terra, à cura e à ancestralidade. A figura central da logomarca representa uma mulher não totalmente definida, simbolizando o pertencimento coletivo – ela pode ser todas: a mãe, a anciã, a vizinha, a líder comunitária.
Entre os elementos da arte estão a semente crioula, símbolo das guardiãs de saberes ancestrais; a criança com o adinkra sankofa, que representa o retorno às origens; e símbolos de proteção e memória, como o café (em referência às Pretas Velhas), a espada de São Jorge e a arruda. No fundo, o baobá surge como árvore da memória e da educação ancestral, envolto por um sol dourado, que simboliza espiritualidade, natureza e continuidade da vida.
“É uma celebração da força coletiva e ancestral das mulheres pretas, lembrando que é nesse ventre das matriarcas que floresce a resistência e a existência”, afirma Rusha.