Evento que reuniu cerca de 400 expositores encerrou neste domingo (12) refletindo a Casa Comum a partir da Economia Solidária
Fabiana Reinholz e Clara Aguiar | Brasil de Fato RSPublicação original disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2025/10/13/santa-maria-celebra-a-31a-feicoop-com-foco-na-ecologia-integral-e-nas-emergencias-climaticas/

Com o tema “Construindo a ecologia integral frente às emergências climáticas”, foi realizada entre os dias 10 e 12 de outubro a 31ª Feira Internacional do Cooperativismo (Feicoop), na cidade de Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul. O evento reuniu cerca de 400 expositores e 50 atividades gratuitas, entre feiras, seminários, oficinas e apresentações culturais.
Agricultores e agricultoras familiares, artesãs, artesãos, agroindústrias, movimentos sociais, religiosos, instituições públicas municipal, estadual e federal, além de comunidades quilombolas, povos indígenas e organizações do campo e da cidade, participaram desta edição. Mais do que um espaço de comercialização, a Feicoop é reconhecida pelos expositores como um ambiente de troca de saberes e articulação de experiências, reforçando seu caráter formativo e solidário.
O evento que foi construído durante as duas últimas semanas, teve inicio com a chegada das primeiras caravanas ainda na quinta-feira (9). A abertura oficial, na tarde da sexta-feira (10), contou com a participação de representantes do poder Executivo municipal, estadual e federal, como também movimentos sociais, entre outros. As falas de abertura tiveram como foco a mudança climática, agroecologia e meio ambiente.
“A Feicoop é um símbolo de reconstrução do nosso estado”
Engenheiro florestal e coordenador de projetos do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), Marcelo Nascimento Bernal, destacou que o instituto participa da Feicoop desde os seus primeiros anos. O ICPJ foi fundado em 2004. “Desde o início, estamos presentes na feira. Já são mais de 20 anos, e é muito bonito ver como ela cresce em tamanho, expressão e importância. Temos muito orgulho de participar e ajudar a construir esse espaço”, afirmou.

Segundo Bernal, a Feicoop vai muito além da comercialização e se consolida como um espaço de reencontros e trocas entre organizações, famílias e agricultores. “É uma oportunidade de rever muitos companheiros e companheiras que só encontramos aqui. É uma experiência belíssima.”
Ao comentar o tema desta edição, voltado às emergências climáticas, ele destaca a relevância da feira diante dos impactos das enchentes de 2024 em Santa Maria e no Rio Grande do Sul. “A realização da Feicoop é um símbolo de reconstrução do nosso estado, do Brasil e da América Latina”, pontuou.
Para ele, a economia solidária mostra-se essencial nesse processo. “O próprio nome já diz: ela vive da solidariedade. Neste momento de reconstrução, é o caminho para superarmos juntos os impactos que enfrentamos.”

Bernal destacou ainda a relevância da economia solidária no contexto de solidariedade e apoio mútuo. “A economia solidária mostra que é um caminho para muitas das nossas soluções”, disse, lembrando que o ICPJ atua em sintonia com o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e outras organizações do campo, como a Cooperativa Origem Camponesa. “Para nós é uma alegria poder contribuir com este coletivo social e movimento do campo.”
Na banca do instituto foram ofertados produtos elaborados com ervas medicinais pelo Frei Zanatta, livros de formação sobre o movimento de pequenos agricultores e sementes crioulas.
Primeiros passos na feira
Pela primeira vez participando da Feira Internacional do Cooperativismo, Janaína Rodrigues de Oliveira, da Associação Quilombo Vó Minda e Tio Adão, localizada em Novo Cabrais, região central do estado, falou sobre a alegria e a importância de estar no evento. “Está sendo bem interessante, bem legal. Eu nunca tinha participado, aí a minha colega, que é agente de saúde e presidente da associação dela, me incentivou: ‘Jana, vai lá e faz as coisas’. Eu adoro artesanato”, contou.
Oliveira levou para a feira peças produzidas por ela, como pesos de porta em formato de cachorrinho, laços e toalhinhas de tecido, além de itens pintados e quitutes como mini pizzas e roscas. Para a quilombola, participar da Feicoop tem sido uma oportunidade de integração e fortalecimento comunitário.

“A gente mora mais retirado e o quilombo tá começando agora. Então é muito bom poder interagir, participar e começar a mostrar o que a gente faz. Quem sabe no ano que vem a gente se organiza melhor e vem mais gente de lá, trazendo mais produtos.”
Ela destacou ainda que a feira representa uma oportunidade de geração de renda e visibilidade para a comunidade quilombola. “É bom para divulgar o nosso trabalho e ajudar o quilombo a crescer.”
Também pela primeira vez no evento, o integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Sílvio dos Santos, do assentamento Simão Bolívar, no município de Jóia, região noroeste do RS, contou que vive na comunidade desde 2006 e que o grupo trabalha com a produção de alimentos e o fortalecimento da agricultura familiar. “Faz 14 anos que nós implementamos a agroindústria de mandioca congelada, e agora estamos começando também com os chips de mandioca.”

Além da mandioca, a família cultiva outros alimentos que garantem a subsistência e a renda. Para Santos, as feiras cumprem um papel que vai muito além da comercialização. “A feira não é apenas um espaço de vender, é um espaço de divulgação. A partir disso, a gente consegue ampliar o nosso comércio, fazer contatos de mercado e participar de outras feiras.” Ele avaliou positivamente a experiência de participar da Feicoop. “Achamos muito bom estar aqui. É um espaço muito diversificado de produção e de cultura, muito interessante.”
Economia solidária e feminista fortalece redes de mulheres pelo país
Participando há anos da Feicoop, a professora Adenilse Araújo Silva, integrante do Fórum de Economia Solidária do Distrito Federal, destacou a importância do evento como espaço de formação, troca de saberes e fortalecimento das redes feministas de economia solidária.

“Essa feira é importantíssima porque reúne pessoas de todos os lugares. É um espaço de troca maravilhosa, porque a gente não faz só comercialização, faz rodas de conversa, partilha de saberes e aprendizados de cada região. Isso mostra a força e a criatividade das mulheres, que são a maioria aqui.”
Maranhense de nascimento, ela faz parte da Rede de Economia Solidária e Feminista, que atua com mulheres em situação de vulnerabilidade, promovendo oficinas, formação e incentivo à produção. O grupo, que surgiu há mais de 15 anos, está presente hoje em cerca de 20 estados brasileiros, ampliando o alcance e o protagonismo feminino no movimento.
“Participamos da feira desde antes da pandemia e das mudanças de governo que interromperam muitos projetos. Ainda bem que estamos conseguindo retomar. Aqui não é só feira, é também formação e informação. As mulheres que vêm comercializar levam para casa os aprendizados e voltam mais fortalecidas para organizar outras em seus territórios”, explicou.
Agricultor destaca inclusão, sustentabilidade e desafios climáticos
Presente desde as primeiras edições da Feicoop, o agricultor Lucas Antônio de Somavila, de Pinhal Grande, centro ocidental rio-grandense, compartilha quase três décadas de vivência na construção da economia solidária e da agroecologia no Rio Grande do Sul. “Estou aqui praticamente desde o início, desde que comecei a atuar na coordenação do meu pessoal, em 1995”, expôs.

No começo, sua comunidade vivia da produção de fumo, principal cultivo da região. “A gente foi criado no Interior e produzia fumo, que era o produto básico. Mas entendemos que existem alternativas melhores. Não tínhamos noção do que era uma atividade coletiva. A motivação do Ivo e da Irmã Lourdes para a gente participar foi muito boa. Nos sentimos incluídos num grande projeto”, recordou.
Atualmente, ele integra uma associação familiar de produtores, que se originou de uma antiga comunidade agrícola. A produção de alimentos saudáveis é uma das marcas do trabalho da família. “A gente tem muita satisfação em produzir um bom alimento, mais saudável, tanto para o consumidor como para a gente. É mais trabalhoso, talvez não tão rentável, mas dá satisfação de trazer um bom alimento. E há consumidores que valorizam isso.”
Grupo Florescer Agroecológico fortalece produção coletiva
Integrante do MPA, Rosiele Christiane Ludtke participou da 31ª Feicoop representando o Grupo Florescer Agroecológico, formado por famílias agricultoras da região de Paraíso do Sul. Segundo ela, o grupo surgiu a partir do trabalho de diversificação da cultura do tabaco promovido pelo movimento, que incentivou a produção de alimentos saudáveis dentro dos princípios da agroecologia.
“Como extensionista rural, eu visitava as famílias e acompanhava esse processo. Com o tempo, elas começaram a buscar formas de comercialização e resolvemos criar um grupo coletivo de produção agroecológica nos municípios da região.”
Antes da criação do grupo, as famílias participaram de feiras pontuais, experiência que impulsionou a organização da feira agroecológica semanal em Santa Maria. Desde de setembro de 2017, o Grupo Florescer participa da Feicoop, onde mantém uma banca coletiva. “Hoje são sete famílias com certificação orgânica que trabalham de forma coletiva. Planejamos juntas a produção e também quem vai participar das feiras.”
Para Ludtke, a participação na feira representa a concretização da proposta política do MPA. “A feira é o resultado final da estratégia do movimento, que é produzir alimentos saudáveis, cuidar do meio ambiente e estender a nossa mesa camponesa aos trabalhadores da cidade. Aqui, realizamos o encontro entre campo e cidade, com preços justos e relações de solidariedade”, pontuou.
Hermanos
Natural do Uruguai, Fernando Silva mora na cidade de Rivera, na fronteira com Santana do Livramento (Brasil). Ele participa da Feicoop há 11 anos. “A importância dessa feira é grande, porque, primeiro, sempre se fazem boas vendas. E, segundo, a gente tem contato com muitas pessoas de diferentes lugares.”

Silva já integrou uma associação na Casa da Economia Solidária de Santana do Livramento, mas precisou se afastar por motivos de saúde. “Agora comecei de novo com o meu empreendimento em lã de ovelha, fazendo palas, ponchos, essas peças que estão ali no cabide”, explica. Para o artesão, a Feicoop é também um espaço de reencontros. “A feira é boa, porque a gente reencontra muitos amigos também. E esses 11 anos de estrada são muito bons. A gente vai se preparando e já pensando no próximo ano”, comentou.
Sobre as próximas edições, Silva expressa um desejo: “Espero que seja um pouco melhor e que volte a acontecer nas datas de sempre, em julho. Meu trabalho em lã combina mais com esse tipo de mês”. Ao final, ele deixa uma mensagem. “Que as pessoas não desistam. Que continuem sempre.”
Pela quarta vez na feira, o argentino Matias Bertone, presidente da Cooperativa Montenativa, destacou o acolhimento e a troca que marcam o evento em Santa Maria (RS). “Desde 2019 a gente participa, e é sempre muito bom voltar. Compartilhamos sementes, ideias, vivências e produtos. Vivemos a uns 300 km da divisa e sempre nos sentimos em casa aqui, reencontrando amigos e vendo todo mundo fazendo acontecer uma feira que traz muita união e coisa boa.”

Com atuação em produção agroecológica, a cooperativa também desenvolve experiências de economia solidária e agrofloresta. Bertone afirmou que o Brasil é uma referência. “A gente sempre se mira em vocês, porque não tem tanto movimento como aqui. Parabéns por isso.”
Durante a feira, o grupo realizou uma oficina sobre agrofloresta e mudanças climáticas e participou de um mutirão na Vila Resistência, com o plantio de frutíferas na praça da comunidade.
Entre os produtos trazidos estão erva-mate, balinhas e xarope de gengibre, açúcar mascavo, stevia, citronela, vinhos e mudas de erva-mate. “Esses produtos são fruto do nosso trabalho coletivo. As balinhas de gengibre já são bem conhecidas de quem vem na feira todo ano.”
“Essa feira é viciante, a gente vem buscar a energia da economia solidária”
Vinda de Pinheiral, no interior do Rio de Janeiro, Cláudia Maceió percorreu 34 horas de ônibus para chegar a Santa Maria e participar da Feicoop. “Foram dois ônibus na excursão. Já fazem 7 anos que venho, porque essa feira é viciante”, expôs.

Para ela, a Feicoop é um espaço de encontro e renovação. “Todos os anos a gente vem aqui pra pegar essa energia da economia solidária. Aqui é muito bom. Santa Maria é o embrião da economia solidária. A gente vê coisas novas, troca de conhecimento, não é só comercialização. É um todo, e a gente volta com essa responsabilidade para o futuro.”
Maceió trouxe seu companheiro e novamente o neto, Davi Lucas, de 13 anos, para compartilhar a experiência. “É o segundo ano que ele está vindo. A nossa responsabilidade também é com os jovens, então já está iniciando nesse caminho da economia solidária.”
O adolescente fala com orgulho da avó. “Esse ser humano chamado minha avó, que, modéstia à parte, é muito bonita, consegue ser uma mulher trabalhadora, guerreira. Ela tem três empregos: faz artesanato, é policial de trânsito e professora de reforço”, afirmou. “Pra ela, isso daqui é muito difícil. Às vezes, ela tem que dar um tempinho, respirar e dizer: eu consigo, e seguir em frente.”
No Rio, Maceió segue com o artesanato como prática de resistência. “Não vivo só disso, porque a economia solidária preza pelo preço justo, e a gente enfrenta concorrência desleal com o capitalismo, com produtos industrializados. Mas seguimos firmes. Nos fins de semana, estamos lá. É persistência. Se uma pessoa muda a cabeça, já valeu a pena”, reflete.
Entre gerações, avó e neto seguem juntos na feira e na vida, levando adiante o ideal de uma economia mais humana e solidária. “Por isso trago meu neto, quero que ele também seja um agente propagador da economia solidária”, concluiu Maceió.