Notícia

Dom Jayme Henrique Chemello: A perda de um amigo

O povo de Deus da fração da Arquidiocese de Pelotas perdeu mais do que um bispo, pastor, mestre: perdeu um grande irmão e amigo mais velho.

Júlio Lázaro Torma

 “Vim para que todos tenham vida…”

 (João 10,10)

No dia de hoje, 29 de agosto, sexta-feira, em que, como Igreja Católica, celebramos liturgicamente o assassinato de São João Batista, “o precursor” ou o “último dos profetas” (Mc 6,14-29; Mt 14,1-12; Lc 9,7s; 3,19s), recebemos com pesar e consternação, através do arcebispo Dom Jacinto Bergmann, a notícia da Páscoa de Dom Jayme Henrique Chemello, aos 93 anos, que nos comunicou o falecimento deste, ocorrido às 6h50min desta manhã, no hospital universitário São Francisco de Paula, na cidade de Pelotas (RS). Dom Jayme foi bispo diocesano de Pelotas entre 1977 a 2009.

Dom Jayme Henrique Chemello veio ao mundo em 28 de julho de 1932, no município de São Marcos, na serra nordeste do Rio Grande do Sul, filho de Francisco Chemello e Isabel Menegat Chemello, recebeu o sacramento do batismo no dia 04 de setembro de 1932.

No ano de 1942, é nomeado o terceiro bispo diocesano, Dom Antônio Zattera (1899-1987), padre do clero diocesano de Caxias do Sul, natural de Garibaldi (RS), sucedendo Dom Joaquim Ferreira de Melo, vindo do Ceará (14 de outubro de 1921 a julho de 1942). Dom Antônio Zattera faz uma promoção vocacional na região de colonização italiana-alemã, em busca de candidatos para suprir o clero local de Pelotas, que abrangia um vasto território no sul do estado e extremo sul do Brasil, compreendendo as áreas das atuais dioceses de Bagé e Rio Grande, uma região ainda carente de vocações presbiterais, principalmente nativas da região, No ano de 1945, ingressa no Seminário São Francisco de Paula, onde fez o ensino fundamental de 1945 a 1948 e o curso colegial de 1949 a 1958. Dom Antônio Zattera o envia para Buenos Aires, onde cursou Filosofia no Seminário Pontifício entre 1952 a 1954, e Teologia na Pontifícia Faculdade de Teologia em Buenos Aires, de 1955 a 1958. Neste período, a arquidiocese portenha tinha como arcebispo primaz o primeiro cardeal da América Hispânica, o Cardeal Santiago Luiz Copello (1880-1967).

No dia 16 de dezembro de 1958, na Igreja Matriz de São Marcos, é ordenado presbítero por Dom Antônio Zattera. Ele escolheu o lema de vida: “Vim para que todos tenham vida” (João 10,10). Em 1958, é designado vigário-cooperador da Catedral São Francisco de Paula, diretor diocesano de catequese, assistente da Juventude Universitária Católica (JUC), da Juventude Estudantil Católica (JEC), da Juventude Independente Católica (JIC), do Movimento Familiar Cristão (MFC) e dos escoteiros.

Em 1959, deixou o cargo de cooperador da Catedral, permanecendo como assessor dos movimentos eclesiais, além de professor de Religião e Filosofia em colégios da cidade, e capelão do Colégio Gonzaga.

Em 1961, deixou a capelania do Colégio Gonzaga e assumiu a coordenação diocesana de pastoral e a função de professor de Deontologia Médica na UCPEL. Neste período, do pré-golpe militar de 1964, atuou ao lado do Pe. Raul Domingos Farina (1927-2018) em um programa radiofônico na Rádio Cultura (AM), da Frente Agrária Gaúcha (FAG), que visava à conscientização dos pequenos agricultores familiares em cooperativas e sindicalismo. Por iniciativa da Igreja Católica, nascem sindicatos de trabalhadores rurais nos municípios de abrangência da área pastoral da Diocese de Pelotas. Posteriormente em 1965, é nomeado reitor do Seminário Diocesano São Francisco de Paula e auxiliar da coordenação de pastoral, permanecendo assistente do Movimento Familiar Cristão.

Diante das múltiplas tarefas de Dom Antônio Zattera, um grupo de colaboradores solicita ao núncio Dom Sebastião Baggio (1913-1993), no Rio de Janeiro (RJ), um bispo auxiliar. São citados os Monsenhores Ivo Lorscheiter (1927-2007), da Arquidiocese de Porto Alegre, e Ângelo Félix Mugnol (1915-1982), da Diocese de Caxias do Sul. Ambos viriam a ser posteriormente bispos. Foi nomeado o Pe. Ângelo Félix Mugnol (1915-1982). Dom Ângelo se torna bispo auxiliar de Dom Antônio Zattera (1966-1969), quando é nomeado bispo diocesano de Bagé (1969-1982). No mesmo ano, São Paulo VI o nomeia bispo auxiliar de Pelotas, com sede titular de Bisica. Foi ordenado bispo por Dom Antônio Zattera, sendo coordenantes o Cardeal Vicente Scherer (arcebispo de Porto Alegre) e Dom Benedito Zorzi, de Caxias do Sul. Na Catedral São Francisco de Paula, no dia 20 de abril de 1969, assumiu a função de bispo auxiliar da Diocese de Pelotas. Durante os anos de 1970, ajudou e protegeu os perseguidos pelo regime militar (1964-1984). Foi acusado pelos agentes repressivos de “ser comunista” e outros adjetivos.

Paulo VI nomeou Chemello para ser bispo diocesano em 1977. Em 4 de novembro de 1977, tomou posse como bispo diocesano, sendo o quarto bispo de Pelotas. Nos dias 28 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979, participou da IIIª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Puebla (México), realizada dentro do Seminário Palafoxiano.

Participou do núcleo “Evangelização, Ideologia e Política”, ao lado do Cardeal Silva Henríquez, do Chile, e outros. Desta experiência mexicana, comovido pela devoção do povo mexicano à “La Guadalupana”, vendo um paralelo entre a escravidão indígena no México e a africana no Brasil, na área de sua diocese,  Difunde a devoção de Nossa Senhora de Guadalupe e constrói um santuário dedicado à Virgem Morena. Preocupado com os jovens e os pobres, segue as Diretrizes de Puebla.

Em 1981, fundou, com alguns casais, o Movimento Nazaréth para os jovens. Em 1982, temos as Missões Populares, que criam e organizam as Comunidades Eclesiais de Base nas paróquias, implanta as Pastorais da juventude (PJ) e sociais (rural, operária, saúde, carcerária, do menor, criança, afro, Amor-Exigente) e funda a Caex. Apoia e estimula a Cáritas com a Feira da Fraternidade e o trabalho social e a dimensão comunitária da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), nas áreas periféricas de Pelotas e rurais dos municípios de abrangência. Amplia os programas radiofônicos nas rádios AM e FM: Tupanci, Pelotense, Universidade Católica e Alfa. Apoia e visita os primeiros assentamentos da Reforma Agrária do MST na região, assim como os projetos alternativos comunitários nas comunidades, os embriões da Economia Popular Solidária. Estava sempre presente nas assembleias paroquiais, encontros diocesanos de mulheres, de juventude, das comunidades eclesiais de base e das pastorais, movimentos eclesiais, onde sempre celebrava, ao final, a missa.

Entre 1988 a 1994, coordenou a Dimensão Comunitária e Participativa da CNBB, no

Setor de Vocações e Ministérios. Organiza a Escola Diaconal Nei Passos. Se muda do Palácio Episcopal para o Seminário, para estar mais próximo de seus seminaristas. Fundou o Instituto de Teologia Paulo VI e foi chanceler da Universidade Católica de Pelotas.

No ano de 1990, participou em Roma do Sínodo dos Bispos sobre Formação Sacerdotal. De 1991 a 1994, coordenou o Departamento de Vocações e Ministérios do CELAM. Participa, entre os dias 12 a 28 de outubro de 1992, da IV Conferência Episcopal Latino-Americana, em Santo Domingo (Rep. Dominicana), tendo forte destaque ao lado de Dom Luciano Mendes de Almeida (SJ).

No ano de 1994, foi eleito vice-presidente da CNBB, ao lado do Cardeal Dom Lucas Moreira Neves. Participou do Sínodo dos Bispos sobre Vida Consagrada, em Roma. Entre os dias 16 de novembro a 12 de dezembro de 1997, participou da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América, que teve lugar no Vaticano.

Nos anos de 1995 a 2000, promoveu as Santas Missões Populares, em preparação ao Ano Jubilar dos 2000 anos do nascimento de Jesus Cristo, que depois foi realizada entre os anos de 2005 a 2007.

Em 1998, assumiu a presidência da CNBB no posto de Dom Lucas Moreira Neves (OP), que fora chamado pelo Papa João Paulo II para ser prefeito da Congregação para os Bispos. No ano de 1999, foi eleito presidente da CNBB para o mandato até 2002.

Sob seu pastoreio, foram criadas as paróquias Nossa Senhora Medianeira (1981), em Turuçu; Santa Tecla, no Capão do Leão; Santo Antônio, no Laranjal (1983); São Cristóvão (1985); Nosso Senhor do Bom Fim, no Morro Redondo (1988); e Nossa Senhora do Rosário de Cerrito (2007). E sediamos alguns eventos a nível estadual, como os Encontros Estaduais de CEBs (1982 e 2008), Romarias da Terra (1988 e 2003) e a do Trabalhador (1993).

Como presidente da CNBB, promoveu o curso para os novos bispos, que foi aprovado pelo conjunto do episcopado e pela Santa Sé.

Entre os anos de 2005 a 2011, foi presidente da Comissão Episcopal para a Amazônia, no Projeto de Evangelização da Amazônia da CNBB. No mesmo ano, foi presidente da comissão encarregada da preparação da Vª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho no Brasil e delegado da CNBB no CELAM.

Esteve na Ucrânia, na região da usina nuclear de Chernobyl, a convite da ONG Green Cross International, de Mikhail Gorbachev, e se encontrou com este no ano de 2005.

Viu se concretizar, em 2008, o término do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, como consolidação dessa devoção na metade sul do Rio Grande do Sul e no extremo sul do Brasil.

Nos dias 13 a 31 de maio de 2007, participou da 5ª Conferência da CELAM, em Aparecida, como delegado da CNBB no CELAM.

  No dia 1º de julho de 2009, sua renúncia ao governo da Diocese de Pelotas foi aceita pelo Papa Bento XVI.

Foi um grande pastor, que viveu as virtudes da fé, esperança e caridade. Um homem simples, humilde, discreto e de posições firmes. Acima de tudo, amigo de todos e todas. Destacou-se por seu grande amor e zelo pastoral, homem do diálogo e do ecumenismo. A imagem de Jesus Bom Pastor (João 10), na qual se espelhou, com cheiro de ovelha e pregações carregadas de olhar comunitário e acolhimento, valorizando o papel do leigo e da leiga na Igreja e no mundo.

Conhecia cada palmo da sua diocese, desde as áreas nobres, centro, periferia de Pelotas, ao litoral da Lagoa dos Patos até os mais distantes rincões de Herval, Canguçu e Piratini. Suas falas simples e profundas, que eram entendidas tanto por um professor universitário quanto por um peão de fundo de estância; do empresário, político, presbítero, religioso, ao jovem, pescador, operário, ambulante, dona de casa ou idosos, ou ainda nas salas da CNBB e dos dicastérios vaticanos.

O povo de Deus da fração da Arquidiocese de Pelotas perdeu mais do que um bispo, pastor, mestre: perdeu um grande irmão e amigo mais velho.

Parte para a eternidade e a glória da ressurreição ao seio da Santíssima Trindade, onde estás agora, contemplando Deus face a face. Mas ficas no nosso coração. 

Até breve. Adeus, querido amigo e irmão Dom Jayme Henrique Chemello.

DOM JAYME CHEMELLO, PRESENTE!!!

 

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