Notícia

Primeiro dia do Encontro de CEBs é marcado por reflexão sobre imigração, direitos humanos e trabalho

Forte conteúdo simbólico colocou lado a lado a realidade de pessoas desterradas e povos desterritorializados

Marcos Antonio Corbari
Brasil de Fato | São Leopoldo (RS) 
 
Encontro está colocando em debate os processos de migração e as violências que provoca – Corbari

 

São muito diferentes as realidades vivenciadas entre migrantes ao longo dos ciclos históricos. Em comum, seja em maior ou menor intensidade, está a violência a que são sujeitos. Desterrados, desterritorializados, expulsos, fugidos, explorados, escravizados, vendidos. A reflexão incômoda e provocativa evocada no primeiro dia do 16º Encontro Estadual das Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs), deixando nos representantes de dioceses de toda Regional Sul 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) uma mesma pergunta em três tempos: o que fizemos até aqui, o que temos feito, o que precisamos fazer a respeito disso. A resposta tem muitas interpretações, mas parte de uma mesma provocação, escolhida pelos organizadores na Bíblia, do livro do profeta Isaías: “Alarga o espaço da tua tenda, estende as cordas, reforça as estacas”.

Padre Alfredinho Gonçalves, assessor nacional da Pastoral do Migrante destacou diferenças entre as migrações históricas que ocorreram no século XIX e início do século 20 e os fenômenos contemporâneos: “Um dos aspectos diz respeito ao destino. Se nas migrações históricas as pessoas sabiam para onde ir, nas atuais o destino é na maioria das vezes, absolutamente incerto”, exemplificou. “Os imigrantes históricos se desenraizaram de um lugar para se enraizar em outro lugar, os imigrantes atuais se desenraizam de um lugar e não sabem se vão se enraizar em outro”.

Outro ponto destacado por padre Alfredinho é a relação com o trabalho, uma vez que nas migrações históricas aqueles e aquelas que se deslocavam tinham informações a respeito do ofício que deveriam desempenhar no novo território. “Hoje não há vínculo entre migrações e trabalho, o que gera muito mais instabilidade e vulnerabilidade social”, apontou. “Há uma multidão enorme errante pelo mundo afora, circulando sem saber para onde ir, sem saber o que vão fazer”, completou.

 

Centro de eventos de São Leopoldo está caracterizado com o multicolorido das CEBs, ou, como afirmam os animadores do evento: está pintado de povo / Corbari

Depois de refletir acerca das garantias e violações dos Direitos Humanos no contexto da migração/imigração, Jaqueline Bertoldo, advogada e doutora em direitos humanos, centrou-se em responder a provocação do Encontro, a respeito de “alargar a tenda”:

“Somos chamados e chamadas a alargar nossas tendas!  Alargar a tenda é praticar a hospitalidade com aquele chega, sem perguntar nome, cor, nacionalidade ou passaporte. Alargar a tenda é valorizar a diversidade que existe em todos e em cada um de nós. Alargar a tenda é praticar a amizade social e reconhecer no outro um sinal de Deus. Alargar a tenda é cuidar do planeta e da criação. É garantir que todos e todas tenham direito ao futuro e um futuro com direitos. Alargar a tenda é ampliar nossa participação política e democrática nos espaços públicos e nas nossas comunidades. Alargar a tenda é construir pontes ao invés de muros.

O espaço de celebração e mística também deixou reflexões importantes aos participantes. Levando-se em conta que a metodologia do dia estava centrada no verbo VER (os verbos Julgar e Agir centram-se consecutivamente no segundo e terceiro dias do evento). Para além da tradicional memória que evoca os encontros anteriores e a animação que movimenta as delegações de diferentes dioceses que compõem o mosaico de cores e rostos das CEBs no RS, o ato trouxe também reflexões:

Qual a relação existente entre uma descendente de europeus vestida em trajes típicos de época das imigrações históricas e da colonização do estado, indígenas da diferentes etnias que se postavam com rostos e corpos pintados conforme suas tradições, uma mulher negra descendente de escravos que levava consigo a boneca abayomi feita com pedaços de pano e trabalhadores de diferentes países latino americanos que tinham consigo pequenas bandeiras relembrando sua terra de origem? As respostas podem tomar diversos rumos. Cada um, a seu modo, está relacionado a realidade dura da imigração, do movimento que se constrói a partir de um princípio de violência o retira de sua terra – seja induzindo a partir, seja arrancando contra a própria vontade – e o conduz a enfrentar uma realidade nova, sujeito a novos modos de vida e também a submissão a novas formas de violência.

Estes personagens, entre outros, caminharam até o palco do 16º Encontro Estadual das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), trazendo consigo seus símbolos de vida, história e luta. O altar foi revestido por uma toalha artesanal de flores coloridas de fuxico. A boneca feita com os trapos das roupas da mãe escravizada foi colocada diante da mesa. A santa Aparecida, que finalizou o cortejo, de pele preta como era a pele dos escravos libertos no seu primeiro milagre, ganhou espaço de destaque. As comunidades eclesiais de base estavam ali postas e dispostas, compondo com diferentes impressões e interpretações, o cenário do encontro.

Edição: Marcelo Ferreira e Katia Marko

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