Revista de Rádio Nº552 - 14 de março de 2024
Bloco 1:
Bloco 2:
INSTITUTO CULTURAL PADRE JOSIMO
PROGRAMA REVISTA DE RÁDIO
Produção e apresentação: Frei João Osmar
552º programa: 14 de março de 2024:
1- Resenha: Hoje vamos tratar sobre as Escolas Famílias Agrícolas – EFAs, o que são, sua origem e como estão organizadas no Brasil e no mundo. Nossos comentários baseiam-se no Artigo pedagógico apresentado por Antonia Euza Carneiro de Sousa na Universidade do Estado da Bahia ao Programa de Mestrado Profissional em Educação de Diversidade. Você poderá acessar o Artigo na íntegra clicando no link a seguir: 112389.pdf (ufba.br)
AS ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS (EFAs)/ UMA GESTÃO DE PRÁXIS EDUCATIVA NO/DO CAMPO
“[…] nasceu, desenvolveu e continua se constituindo sempre a partir da prática e não de teorias formuladas a priori em gabinetes dos sistemas convencionais de ensino ou dos intelectuais nas academias” (Begnami) Antonia Euza Carneiro de Sousa
1 Resumo: O presente artigo objetiva apresentar um projeto de educação como proposta de gestão comunitária que pensa e promove uma cultura educativa do/no campo representada pela Escola Família Agrícola Jaboticaba – Quixabeira -Bahia. Esse estudo nasce a partir da análise documental e da revisão de literatura que terá continuidade com a ida a campo a fim de compreender como a formação por alternância contribui para a permanência do jovem do campo em sua comunidade, culminando na dissertação final do curso de mestrado apresentando os resultados encontrados. As discussões aqui apresentadas se fundamentam em estudos teóricos e metodológicos que discutem a educação do campo sobretudo com as propostas das Escolas Famílias Agrícolas – EFAs e a prática da Pedagogia da Alternância, a exemplo de Arroyo, Gimonet, Nosela, Nascimento, Cavalcante, entre outros, acreditando ser uma oportunidade de dar visibilidade a mais um projeto contra hegemônico de educação do campo.
Palavras – chave: Educação do Campo; Pedagogia da Alternância; Escola Família Agrícola; Movimentos Sociais; Comunidades Eclesiais de Base.
1 INTRODUÇÃO Este estudo é o primeiro passo de um caminho que se pretende trilhar para chegar em um lugar específico – a Escola Família Agrícola de Jaboticaba, localizada no município de Quixabeira no sertão da Bahia, distante aproximadamente 299 km da capital. 2A EFA de Jaboticaba como assim é conhecida, é considerada como uma escola diferente de todas as outras da região. Nessa escola se pretende realizar uma pesquisa que culminará na dissertação do curso de Mestrado Profissional em Educação e Diversidade – MPED, oferecido pela Universidade do Estado da Bahia. 1 Mestranda vinculada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação e Diversidade – MPED, da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. José Carlos Oliveira da Silva. E-mail: antoniaeuza@yahoo.com.br 2 Dados obtidos nos sites: http://www.cidades.ibge.gov.br/http://sit.mda.gov.br. Acesso em 03 de abril de 2019. O trajeto da pesquisa em seus primeiros passos objetiva de modo geral, compreender como a educação do/no campo a partir das experiências da Escola Família Agrícola de Jaboticaba – Quixabeira – Bahia, contribui para o processo de formação e permanência do jovem do campo em sua comunidade. Tomo como aporte inicial a abordagem qualitativa por considerar que o movimento de ir e vir dos estudantes proporcionado pela Pedagogia da Alternância, deverá ser interpretado na compreensão das motivações, culturas, ideologias, crenças e sentimentos que movem os sujeitos que dão significados a essa realidade que pretendo pesquisar, o que para Ivenicki e Canen (2016) constituem características gerais de tal abordagem.
A fim de chegar ao objetivo principal pensados para essa pesquisa faz-se necessário otimizar bem o tempo para a busca de informações, através da utilização de mecanismos metodológicos que possibilite a “exploração” das demandas dos atores envolvidos no estudo (estudantes, pais, representantes da comunidade do estudante, professores e gestores), atentando para a retratação das experiências de suas vidas no seu real contexto, “sem prejuízo de sua complexidade e de sua dinâmica natural” (ANDRÉ, 2008, p. 34). Para tal, elencou-se como principais instrumentos de coleta de informações, as observações de eventos realizados na escola, com registro no diário de campo, análise de documentos (número de matrícula, atas de reuniões, Projeto Político Pedagógico), além da realização de questionários e entrevistas semiestruturadas com os sujeitos supracitados, envolvidos direta e indiretamente na comunidade escolar. Considerando que a especificidade da proposta de educação adotada pela Escola Família Agrícola de Jaboticaba – Quixabeira – Bahia, a Pedagogia da Alternância, faz da escola um diferencial de ensino na região, apresento, por fim na caminhada metodológica o estudo de caso como método, alicerçada nas considerações de alguns autores a exemplo de Macedo, Geertz, André, entre outros. Tendo traçado o trajeto metodológico dessa caminhada de pesquisa, é que ouso apresentar a origem do espaço por onde pretendo caminhar para realizar tal investigação, por acreditar ser um exemplo de gestão comunitária significativa e produtora de cultura escolar, uma cultura escolar contra hegemônica que vai “além do capital” como defende Mészarós (2005). Afinal, que escola é essa, que é vista como “diferente”? Como foi gestada? Como nasceu?
2 EFAs: UMA PRÁTICA EDUCATIVA QUE NASCE DA COMUNIDADE
A história da educação do campo revela que durante muito tempo, os sujeitos campesinos viveram uma situação de descaso. A educação ofertada pelo sistema era pautada na economia agroexportadora, que neutralizava a identidade do sujeito do campo, ignorando suas especificidades para atender ao desenvolvimento capitalista. A partir da década de 1960, muitas lutas sociais emergiram e se firmaram buscando melhores condições de vida, incluindo aí o conhecimento como porta de acesso rumo à emancipação humana, passando este a fazer parte das reivindicações campesinas, almejando inclusive, o rompimento com aquela educação até então oferecida. Estava nascendo a expectativa de uma educação emancipadora, anunciada pelo pensamento freiriano para o qual “a educação é na sua essência um processo que visa formar o sujeito emancipado, autônomo […]” (FREIRE, 1996). Não havendo respostas dos poderes públicos, no sentido de atender aos anseios dos sujeitos do campo por políticas públicas que primassem por assegurar, na prática, direitos por uma vida digna, os movimentos sociais, principais responsáveis pela efetivação de muitas conquistas na vida do povo do campo, incluíam também em suas agendas de reivindicações, as questões educacionais, por acreditar na educação como um caminho, através do qual o indivíduo liberta-se das amarras que o oprime, tornando[1]se cidadão ativo, capaz de lutar pelos seus direitos. Como lembra Arroyo: […] os movimentos sociais são em si mesmos educativos em seu modo de se expressar, pois o fazem mais do que por palavras, utilizando gestos, mobilizações, realizando ações, a partir das causas sociais geradoras de processos participativos e mobilizadores. (ARROYO, 1999, p. 23) Nas décadas de 70 e 80 do século XX, muitos dos militantes dos movimentos sociais eram ligados às Comunidades Eclesiais de Base – CEBs3 , pois encontraram na
3 As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) surgiram no Brasil como um meio de evangelização que respondesse aos desafios de uma prática libertária no contexto sociopolítico dos anos da ditadura militar. Para Burdick (1998, p. 11), elas podem ser caracterizadas como “congregações Católicas nas quais o clero e os agentes pastorais estão engajados, de uma forma ou de outra, em esforços para despertar a consciência política e social”. Igreja Católica, na época embasada na Teologia da Libertação
4 , apoio nessa luta pela conquista dos direitos necessários à vida, incluindo aí, uma escola para seus filhos, com uma proposta diferenciada cuja pedagogia estivesse voltada para a realidade de quem vive no campo atendendo às suas especificidades políticas, sociais e culturais. Foi com esse propósito que o Padre jesuíta Humberto Pietrogrande, sacerdote de Anchieta – ES, traz para o Brasil, a Pedagogia da Alternância, que seria assim definida por Gimonet (1999, p. 44 – 45). Alternância de tempo e de local de formação, ou seja, de períodos em situação sócio profissional e em situação escolar; […] uma outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo. A Alternância significa uma maneira de aprender pela vida, partindo da própria vida cotidiana, dos momentos de experiências colocando assim a experiência antes do conceito. A Pedagogia da Alternância, […] dá a prioridade à experiência familiar, social, profissional, ao mesmo tempo como fonte de conhecimentos, ponto de partida e de chegada do processo de aprendizagem, e como caminho educativo (GIMONET, 1999, p. 44-45).
A Pedagogia da Alternância nasceu na França na década de 1930, com as “Maison Familiale Rurale” (MFR), ou Casa Familiar Rural, a partir da sensibilidade do Padre Abbé Granerau, diante do clamor dos pobres filhos de agricultores de sua paróquia, os quais sentiam a dificuldade de continuar os estudos por conta da distância e, principalmente, do problema das escolas priorizarem a pedagogia que valorizava sobretudo, a cultura urbana. (NASCIMENTO, 2004) Conhecedor da experiência francesa, o sacerdote jesuíta, Humberto Pietrogrande, precursor da ideia de Alternância no Brasil, sabia da necessidade de um suporte para dar sustentação à nascente experiência. Pensando nisso, liderou a fundação do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – MEPES, uma organização filantrópica e sem fins lucrativos de inspiração Cristã, que seria, e foi, a entidade civil mantenedora da Primeira Escola Família Agrícola – EFA5 no país.
4 A legitimidade e inspiração teológica da ala progressista da Igreja Católica eram buscadas na teologia da libertação, segundo a qual deve haver uma necessária relação entre a teologia e contextos socioeconômicos. (THEIJE, 2002, p. 23) 5 Espaço físico que abrigaria os estudantes e colocaria em prática a proposta da Pedagogia da Alternância. Assim como na Europa, a experiência da Pedagogia da Alternância no Brasil teve como principal inspiração os princípios da democracia cristã católica, formados a partir do Concílio do Vaticano II6 , os quais influenciaram também, a formação de lideranças religiosas e sociais em muitas comunidades, em meio ao regime ditatorial e às lutas pela liberdade política no país. Durante o Período Militar no Brasil, a ala progressista da Igreja Católica, foi além de suas ações religiosas, adicionando a elas, atividades de formação social direcionadas para o rompimento com o conservadorismo político e econômico.
Outro fator que contribuiu, e continua a contribuir para o processo de inserção e fortalecimento da Pedagogia da Alternância no Brasil foi o pensamento freiriano, que desde a década de 1960, já revolucionava o processo educacional brasileiro, denunciando a educação bancária, e propondo os métodos de educação popular, considerando como suporte filosófico-ideológico os valores e o universo sociolinguístico cultural dos sujeitos envolvidos no processo. Na década de 1980, com o processo da redemocratização brasileira e o apoio da Igreja Católica através das CEBs, foi visível o aumento da participação nos movimentos sociais do campo, podendo-se destacar as atuações do MST no debate da educação do campo, apresentando propostas pedagógicas embasadas em construções coletivas que valorizasse as culturas camponesas. Muitas foram as conquistas sociais legalizadas nos documentos públicos tanto na Constituição Federal de 1988, quanto nos demais marcos legais destinados à educação, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, que além de complementar a Constituição de 1988, com propostas diferentes para os sistemas de ensino, permitindo atender às diferentes realidades dos sujeitos aprendentes nas diversas regiões brasileiras, estabelecendo inclusive, diretrizes para a educação no meio rural, como assim determina em seu Artigo 28. Na oferta de educação básica para a população rural os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
6 O Concílio Vaticano II (1962 – 65) foi o acontecimento que, a nível mundial, desencadeou essa leva de renovações eclesiásticas, “abrindo as portas” da Igreja de Roma à modernidade e proporcionando novas formas de eclesialidade. (COSTA, 2010)
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III- adequação à natureza do trabalho na zona rural; (BRASIL, 1996) Se essa determinação não foi efetivada na prática, ou se foi pensada para frear a ida dos sujeitos do campo para a cidade, ela foi complementada, a partir de lutas constantes dos movimentos sociais que conseguem a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, que em seu parágrafo único do Artigo 2º, determina: A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associam as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (BRASIL, 2010) Estas determinações legais vêm assegurar a mobilidade do calendário das escolas do campo permitindo a adoção da Pedagogia da Alternância, dando-lhes respaldo para a organização curricular própria das EFAs, dada as especificidades dos projetos comunitários de acordo com cada realidade. Diante do crescimento do número de centros de educação por alternância, fazia[1]se necessário uma assessoria e/ou uma representação comum que congregasse todas essas organizações educativas. Assim, através de um processo de discussão e estudos realizados pelas EFAs, foi criada em 1982, a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil– UNEFAB. Essa instituição além de assessorar e representar estas escolas em âmbito nacional busca também auxiliar no fortalecimento e divulgação da proposta pedagógica da Alternância, continuando em atuação até os dias atuais.
7 A UNEFAB é uma Organização Não Governamental – ONG, sem fins lucrativos e possui registro no CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social. Assessora as EFAs – Escolas Famílias Agrícolas, as ECORs – Escolas Comunitárias Rurais e outras instituições que adotam práticas educativas com os mesmos princípios pedagógicos. Maior aprofundamento sobre a instituição disponível no site: www.unefab.org.br As escolas que promovem uma educação embasada na Pedagogia da Alternância são identificadas como Centros de Formação Familiares por Alternância – CEFFAs.
8 Eles trabalham sempre em rede, desde a coletividade desenvolvida em cada comunidade escolar até as articulações e troca de experiências que vão se ampliando nas diferentes esferas. Os CEFAs estão organizados em nível Regional, Nacional e Mundial. Nacionalmente, as EFAs estão organizadas em torno da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – UNEFAB, hoje com sede em Brasília – DF. Mundialmente, as EFAs estão organizadas em torno da Associação Internacional das Maison Familiales Rurales AIMFR, que tem por objetivo representar as EFAs junto aos organismos supranacionais como a Food and. Agriculture Organization – FAO9 e a Organização das Nações Unidas – ONU, assim como incentivar a Pedagogia da Alternância, a partir das pesquisas junto às universidades do mundo inteiro. (NASCIMENTO, 2004)
Segundo dados da UNEFAB, atualmente, os Centros de Formação Familiar por Alternância – CEFFAs encontram-se assim divididos, nos Estados: São Paulo (01 EFA), Rio de Janeiro (04), Minas Gerais (14), Espírito Santo (23), Bahia (33), Sergipe (01), Ceará (01), Piauí (08), Maranhão (10), Pará (02), Amapá (04), Amazonas (01),
8 Atualmente, a denominação CEFA é utilizado em comunicações, audiências com autoridades e documentos comuns apresentados a órgãos públicos pelas diversas instituições que utilizam a Pedagogia da Alternância no Brasil. Em 2005, quando aconteceu o VIII Encontro Internacional da Pedagogia da Alternância, iniciou-se uma articulação do conjunto dessas experiências de formação por alternância, culminando com a constituição de uma rede nacional e elaboração da sigla CEFFA para identificar o Centro Familiar de Formação por Alternância, uma vez que no Brasil existem muitas espaços que adotam essa pedagogia com denominações diferentes: Escola Família Agrícola (EFA), Casa Familiar Rural (CFR), Escolas Comunitárias Rurais (ECOR), Escola Familiar Rural e Pro jovem.
9 FAO – Food and. Agriculture Organization é uma organização das Nações Unidas cujo objetivo é aumentar a capacidade da comunidade internacional para de forma eficaz e coordenada, promover o suporte adequado e sustentável para a Segurança Alimentar e Nutrição global. Para isso, realiza programas de melhoria da eficiência na produção, elaboração, comercialização e distribuição de alimentos e produtos agropecuários, além de projetos que contribuam para a redução da pobreza rural e o crescimento econômico global. No estágio atual de desenvolvimento do Brasil, a FAO atua com foco na promoção do diálogo e debate internacional para o intercâmbio de experiências e projetos, com enfoque especial na Cooperação Sul-Sul. Nesse sentido, a Organização tem sido uma das principais parceiras na expansão do país na cooperação internacional, sendo responsável pela implementação de projetos e ações na América Latina e Caribe e também na África. Maior aprofundamento consultar a página: http://www.fao.org/brasil/pt/
Rondônia (04), Tocantins (02), Mato Grosso (01), Mato Grosso do Sul (02) e Goiás (03 formadas e 01 em implantação). Como o projeto escolar que adota a Pedagogia da Alternância é nascente de projetos da comunidade, cada EFA possui uma associação comunitária que é a mantenedora do centro educativo, desde o âmbito econômico e jurídico dado à necessidade econômica e jurídica que vai da implantação, até o bom desenvolvimento e funcionamento cotidiano, perpassando também pela sustentação do projeto formador, que envolve as famílias dos alternantes e toda a comunidade em um princípio participativo, através de discussões e tomadas de decisões. Como assim reforça Queiroz (2004, p. 96):
Tudo isso exige de cada associação responsável pelo centro educativo um grande empenho, responsabilidade e perspicácia na construção deste Projeto Educativo. Porque este Projeto Educativo é que vai orientar e motivar todo processo de formação do alternante, possibilitando “uma continuidade de ação formadora numa descontinuidade de atividades”, a formação integral em tempo integral e a “nascer, elucidar, formalizar ou modificar os projetos” dos alternantes. Com isso “a alternância torna-se também uma pedagogia do projeto”. (QUEIROZ, 2004, p. 96)
A viabilidade dos jovens do campo terem cesso a uma educação pensada na comunidade, como acontece com os projetos da Pedagogia da Alternância, com capacidade de oferecer conhecimentos científicos atrelados à prática do seu trabalho sem sair do seu lugar, incentivou a disseminação e implantação de EFAS, chegando aos números disponibilizados pela UNEFAB, apresentados anteriormente nessa discussão. Analisando tais dados, vale destacar que o número de EFAS na Bahia hoje supera o número de centros por alternância no Espírito Santo, estado onde nasceu a experiência, podendo-se registrar ainda que foi no sertão baiano, que nasceram as primeiras EFAs, fora do Espírito Santo, estando entre elas a Escola Família Agrícola de Jaboticaba, foco principal desse trabalho. A Escola Família Agrícola de Jaboticaba foi “plantada” no município de Quixabeira, no Estado da Bahia, em julho de 1987. Desde seu nome, que é originado de uma planta nativa conhecida na região como quixabeira, denominada cientificamente de Sideroxylon obtusifolium, com características resistentes às demandas climáticas do semiárido, assim também é o município que herdou seu nome popular – Quixabeira. O município está localizado na região Centro Norte do Estado, há aproximadamente 299 Km de distância até a capital, abriga em seu território de 387,677 Km2 , uma população de aproximadamente 10.000 habitantes, sendo que pouco mais de um 1/3 dessa população vive no espaço urbano.
10 Com suas origens, vivências e sobrevivências enraizadas no campo, a região de Quixabeira seria, e foi, um terreno propício para o nascimento de uma Escola Agrícola. No mesmo cenário sociopolítico da década de1980, quando emergiu com maior efervescência a proposta da Teologia da Libertação
11, liderada e anunciada pelo setor progressista da Igreja Católica que cautelosamente ia adentrando nas diferentes regiões brasileiras e criando as Comunidades Eclesiais de Base – CEBS, elas chegaram também em Quixabeira sob a coordenação dos religiosos (padres, freiras e leigos missionários) que administravam a Paróquia de São Cristóvão – Capim Grosso – Bahia
12 . As comunidades Eclesiais de Base – CEBs […], baseada na Teologia da Libertação se tornaram importantes espaços para trabalhadores e trabalhadoras rurais e urbanos se organizarem e lutarem contra a injustiça e por seus direitos, quer de mediação para o surgimento e desenvolvimento dos movimentos sociais populares, quer para a renovação da Igreja […] (SILVA, 2006, p.76) Geralmente as primeiras ações das CEBs a serem postas em prática eram os estudos bíblicos contextualizados, em pequenos grupos relacionando a fé à vida. Esses grupos de estudo e orações, a princípio, se embasavam, sobretudo, no livro de Atos dos Apóstolos. A partir dessas reflexões, os fiéis iam sendo convidados e incentivados pelos religiosos a acreditar, a ter fé que uma vida melhor poderia ser possível a partir do momento que se unissem e agissem como fizeram os primeiros cristãos. 10 Dados obtidos nos sites: http://www.cidades.ibge.gov.br/http://sit.mda.gov.br. Acesso em 03 de abril de 2019.
11 De acordo com Boff (2005), foi um movimento iniciado na América Latina, na década de 1970, parte da premissa de que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres. Os religiosos embasados na teologia da libertação, buscam auxiliar os pobres e oprimidos na luta por direitos.
12 Em geral as paróquias são circunscrições eclesiásticas territoriais que compreendem outras divisões territoriais menores denominadas de comunidades. Seguindo a hierarquia eclesiástica católica a comunidade está ligada à paróquia que é subordinada a uma Diocese. No caso de Capim Grosso, à Diocese de Senhor do Bonfim. Orientados pelos princípios da Teologia da Libertação, propagados pelos representantes da Igreja Católica, alguns fieis da comunidade de Quixabeira começaram a se apropriar da ideologia de que a fé precisava estar ligada à vida, à ação pela libertação, pensamento que passou a ser comum dando sustentação e garantindo a continuidade da organização daquele grupo na busca por uma vida melhor, culminando no início da década de 1980 no nascimento de uma associação, nomeada como Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Jaboticaba – APPJ. Conforme consta na ata de sua fundação, o objetivo da APPJ, é o de “desenvolver o agricultor local e melhorar as condições de vida dos seus associados”. No início da década de 1992, chega para administrar a Paróquia de São Cristóvão – Capim Grosso – Bahia
13, um “novo” grupo de religiosos. Essa equipe pertencia à Ordem dos Jesuítas. Ao tomar conhecimento da organização social já existente na comunidade de Quixabeira, com intuito de dar continuidade aos princípios da Teologia da Libertação já implementados, o Padre Xavier Nichele s.j.,
14 reúne os fiéis e os incentiva sobre outros caminhos que poderiam ser trilhados para ampliar as conquistas e continuar melhorando as condições de vida. Nosela (1997, p. 33) vem reafirmar que: […] o movimento espiritual do Concílio do Vaticano II […], induzia os padres a se preocuparem não somente com uma ação sacramentalizante, como também com uma ação de promoção socioeconômica do povo. Como já explicitado anteriormente, desde as experiências iniciais das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil, no Estado do Espírito Santo, já puderam contar com o apoio da Igreja Católica e tinham como representação os religiosos da ordem jesuítica. Sendo o Padre Xavier pertencente a esta Ordem Religiosa, ele conhecia o projeto e foi 13 De período em período, as paróquias mudam sua equipe pastoral. Essa mudança acontece por conta de parcerias entre as dioceses do Brasil com as ordens religiosas, dada a demanda de padres e leigos nas diferentes regiões brasileiras. 14 Religioso italiano da Ordem dos Jesuítas, que atua na Paróquia de São Cristóvão – Capim Grosso – Bahia, desde a década de 1990. Sensibilizado pela luta dos trabalhadores do campo, abraçou a causa do fieis da Comunidade de Quixabeira, ajudando aquele povo a buscar oportunidade de ter sempre uma vida melhor no campo. Foi o incentivador da fundação da Escola Família de Jaboticaba, atuando até hoje junto àquela instituição como orientador religioso e como captador de recursos para continuar viabilizando as ações ali desenvolvidas. dele o incentivo para a criação de uma escola que seria promotora de uma educação própria para filhos de agricultores e agricultora, seguindo o exemplo daquele estado pioneiro.
O projeto de fundação da Escola Família Agrícola de Jaboticaba, gestado por incentivo do Padre Xavier Nichele s. j., e abraçado pela comunidade, foi se fortalecendo dia a dia. Juntos foram conhecer a proposta das EFAS e da Pedagogia da Alternância em uma EFA existente na Bahia na cidade de Riacho de Santana. Trouxeram de lá jovens formados e conhecedores da metodologia, que iniciaram um trabalho de base e sensibilização junto às famílias da comunidade de Quixabeira, acerca da importância daquela escola, sempre com o apoio dos agentes pastorais. Paralelo ao processo de sensibilização, a comunidade em união com a APPJ, pensava no levantamento de recursos para implantação da estrutura física da escola. Além do apoio espiritual e moral, o Padre Xavier Nichele s.j. foi mais uma vez, um dos principais intermediários nessa parte do projeto. Buscando apoio de alguns conhecidos, colaboradores italianos, ele conseguiu ajuda financeira com a qual foi possível comprar o terreno para a implantação da escola. Como foi possível perceber na análise documental da trajetória da implantação da Escola Família Agrícola de Jaboticaba, o envolvimento da Igreja Católica, não se limitou apenas ao apoio e incentivo para buscá-la. Vai, além disso, providenciando também, sustentação econômica. Essa não é uma ação isolada notória apenas no caso da escola em estudo. É uma prática comum em muitas EFAS na Bahia, como assim observa Cavalcante (2007):
O envolvimento da Igreja na implantação e consolidação das EFAs baianas mostrou-se por demais preponderante. Por vezes ultrapassava o sistema organizacional e abraçava o custeio das escolas […]. Daí que para o movimento de escolas famílias, criar estratégias de apropriação e fortalecimento de luta comunitária pela manutenção da EFA passa a ser um desafio […]. (CAVALCANTE, 2007, p. 131) A análise de atas de reuniões que tratavam da fundação da escola, evidencia que a Escola Família Agrícola de Jaboticaba nasceu pensada na e pela comunidade, na coletividade, incentivada por direcionamentos religiosos, mas também imbricada com outras lutas sociais voltadas para o fortalecimento e a emancipação dos sujeitos do campo. Há diversas formas de vivenciar experiências, de aprender com elas e de lhes dar sentido, mas é indiscutível que o coletivo, pensado aqui como coletivo que reúne as pessoas em torno de objetivos comuns, em torno de algo que os identifica, permite a vivência de experiências que podem vir a se tornar emancipatórias (VENDRAMINI, 2004, p. 35).
O ideal emancipatório se fazia presente nas lutas da comunidade católica de Quixabeira, e parecia se expandir pra diferentes instâncias sob organização e liderança da APPJ, o que embora não convém aqui nesse estudo, fico apenas com a luta da APPJ que se voltava naquele momento também para uma educação diferenciada, sendo essa mesma associação que ainda hoje sustenta institucionalmente o projeto da Escola Família Agrícola de Jaboticaba. Inicialmente, a escola oferecia apenas o curso de Ensino Fundamental II com Iniciação ao Curso Técnico Agropecuário. A partir das aspirações dos alunos, dos pais e de toda a comunidade escolar, e do empenho da gestão da EFA junto aos órgãos competentes, que em 2006, foi implantado o curso de Educação Profissional Técnica de Nível Médio em Agropecuária Integrada ao Ensino Médio, oferecendo uma formação de Ensino Médio e Profissional aos jovens do campo, agregado aos princípios da Pedagogia da Alternância. Pode-se dizer, portanto que foi assim, comungando com as lutas nacionais dos movimentos sociais do campo em prol de um projeto educacional específico para os sujeitos campesinos e objetivando romper com o modelo educacional que prepara o sujeito para servir ao capitalismo agroexportador, que nasceu a Escola Família Agrícola de Jaboticaba – Quixabeira – Bahia.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo aqui apresentado sobre a origem das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil suscitou uma discussão imprescindível nesse caminho investigativo que pretendo seguir, evidenciando a atuação da ala progressista da Igreja Católica, que orientada pelos princípios da Teologia da Libertação, envolvia-se com as questões sociais do povo brasileiro, e, no caso do campo, junto com os movimentos sociais na luta por terra para morar e trabalhar, fazia-se necessário, aprofundar as questões relativas à formação escolar daqueles homens e mulheres, que eram os sujeitos ativos que atuavam naquele chão. Para fomentar essas discussões de educação do campo com propostas contextualizadas pensando nos sujeitos do campo são muitas contribuições com as quais ainda se pode dialogar para triangular com as informações que serão os achados dessa pesquisa junto aos colaboradores, a exemplo dos estudos de Arroyo, Caldart, Cavalcante, Freire, Gimonet, Martins, Mészarós, Molina, Nosella, Nascimento, Reis, entre tantos outros pesquisadores da área. Enfim, estudar essa escola traz imbricada à importância de produzir conhecimento científico na área educacional minha vontade profissional e pessoal, pois, por ser do campo, e tendo recebido uma educação para sair, e não para permanecer no campo, me encanta saber que poderei aumentar a visibilidade social desse projeto de trabalho da Escola Família Agrícola de Jaboticaba – Quixabeira – Bahia, um projeto de educação contra hegemônico que parece ser capaz de oferecer meios para que os jovens do campo perceba que ali, no seu lugar de origem, ele pode permanecer e viver bem.
2- Testemunho/entrevista: Hoje vamos ouvir o testemunho de Edenir Enio Schmengler que é Agricultor Agroecológico na Localidade de Linha Nova a cerca de dez Km da cidade de Agudo, na Quarta Colônia Região Central do RS. Ele é casado, tem duas filhas e trabalha em uma pequena propriedade que herdou de seu pai. Uma de suas especialidades na produção rural é o cultivo de uma variedade enorme de feijões – mais de 30 variedades- os quais apresenta em feiras e encontros de Agroecologia de toda a região. Edenir participa de várias organizações sociais que lutam por melhores condições de vida para os agricultores familiares e para a população em geral. Atualmente ele é o Coordenador da Associação Pró-EFA Centro RS que está trabalhando para a criação de uma Escola Família Agrícola – EFA na Região Central do RS. E esse é um dos pontos principais de sua fala no programa de hoje.
3- Música: Meu Céu com Zé Mulato e Cassiano e, no final do testemunho de Edenir O Homem da Terra com Luz Gonzaga;
4- Fotos: Da internet e pessoal de Edenir: